A JORNADA DE ULYSSES E SEUS ENSINAMENTOS
“Não se pode comer
o bolo e continuar a tê-lo”.
“Apega-te ao agora,
ao aqui, através dos quais todo o futuro mergulha no passado”.
(Joyce, James em
Ulysses)
Ano passado eu decidi enfrentar o
desafio de ler Ulysses de James Joyce, um livro denso e que demanda bastante
atenção e tempo. Acabei deixando para ler outros títulos e retomei agora,
depois de retornar de minhas inspiradoras férias que não foram para Dublin onde
se passa a história do livro. Como estive em Firenze quero pensar que Dante possa
ter me inspirado. Afinal, o que é Ulysses para quem já leu a Divina Comédia!
Então, envolta pela mais pura
petulância (risos) vou lhes escrever sobre um livro que ainda não acabei de ler
na esperança de que isso me obrigue a terminá-lo visto que já li mais da metade
dele.
Ulysses é uma obra-prima que
desliza pelas ruas de Dublin em 1904, narrando um dia na vida de Leopold Bloom.
O livro, frequentemente considerado um dos mais desafiadores e recompensadores
da literatura ocidental, mergulha fundo na psique humana, traçando paralelos
com a Odisseia de Homero, mas no contexto da vida cotidiana.
A beleza de Ulysses reside na sua
capacidade de tornar o ordinário extraordinário. Joyce nos lembra de que cada
momento da vida está repleto de profundidade e significado, se tivermos a
coragem de olhar de perto. O livro é um tributo à resiliência do espírito
humano e à busca incessante por sentido e conexão.
Ulysses não é apenas uma história
sobre um dia na vida de um homem; é uma jornada épica através das paisagens
emocionais e psicológicas que todos nós navegamos. Encoraja-nos a abraçar
nossas complexidades, a valorizar nossos relacionamentos e a encontrar
inspiração nas nuances da vida cotidiana. Joyce nos desafia a encontrar beleza
e significado na monotonia do dia a dia. Em Ulysses, até as tarefas mais
simples e comuns, como fazer compras ou passear pelas ruas, são revestidas de
uma profundidade quase poética. Ao seguir Leopold Bloom em suas atividades
diárias, somos lembrados de que a verdadeira essência da vida está nos pequenos
momentos e interações que muitas vezes passam despercebidos.
A estrutura do romance, com seu
fluxo de consciência e narrativa não linear, reflete a natureza fragmentada e
caótica da mente humana. Isso nos encoraja a aceitar nossa própria complexidade
interior, reconhecendo que nossos pensamentos, memórias e emoções são todos
parte do que nos torna humanos. Ulysses é, em última análise, uma celebração da
exploração interior e da autoaceitação.
Em Ulysses, os relacionamentos
são tecidos com uma complexidade emocional que reflete a vida real. Leopold
Bloom, o protagonista, é um homem preso em um casamento marcado pela
infidelidade e pelo distanciamento emocional. Sua esposa, Molly Bloom, é uma
personagem rica e multifacetada, cuja infidelidade é tanto uma fonte de dor
para Leopold quanto um reflexo de sua própria busca por identidade e
significado. Este relacionamento destaca a fragilidade e a resiliência do amor
humano, convidando-nos a refletir sobre nossas próprias relações e a
importância da compreensão e da empatia mútua.
Joyce utiliza técnicas de fluxo
de consciência para oferecer uma visão íntima das mentes de seus personagens,
revelando suas inseguranças, desejos e medos. Este mergulho na psicologia humana
é uma exploração magistral das complexidades da mente. Leopold Bloom, por
exemplo, é frequentemente assaltado por pensamentos de inadequação e culpa,
enquanto busca sentido em uma vida repleta de perdas e desilusões. A exploração
da mente de Bloom torna-se um espelho para os leitores, convidando-os a
confrontar suas próprias vulnerabilidades e a encontrar beleza na imperfeição
humana.
Em um mundo cada vez mais
acelerado e superficial, Ulysses nos oferece uma pausa para refletir sobre o
que realmente importa. É um lembrete poderoso de que, embora a vida possa ser
cheia de desafios e incertezas, há uma beleza inegável na jornada humana. Joyce
nos encoraja a valorizar nossos relacionamentos, a entender melhor nossas
próprias mentes e a encontrar inspiração nas pequenas coisas.
A leitura de Ulysses tem sido uma experiência transformadora, que me convida a ver o mundo com novos olhos e a abraçar a riqueza da experiência humana em toda a sua complexidade e beleza.
Viviane Cristina Battistella
Psicóloga e Escritora
@vivi_battistella
Academia Limeirense de Letras -cadeira 21
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