As Sombras de Quem Humilha – O Bullying Revela Quem Está Quebrado por Dentro
Há algo de profundamente inquietante no riso de quem faz bullying. Um riso que não é alegria, mas deboche; que não é expressão de vida, mas de domínio. Ele ecoa pelos corredores das escolas como um sinal de poder - frágil, ruidoso, efêmero - mas que, aos olhos da psicologia e da sensibilidade, revela o contrário da força: revela o vazio.
Costuma-se olhar o bullying pela lente da vítima e é justo que assim
seja. São as vítimas que sangram em silêncio, que levam para casa a vergonha, o
medo, o sentimento de inadequação. Mas há uma outra dor, mais invisível, mais
antiga, que mora em quem agride. Uma dor que não se mostra, mas que grita
disfarçada em sarcasmo e humilhação. O agressor, na verdade, é um espelho
rachado: reflete o outro apenas para quebrá-lo, porque não suporta ver-se
inteiro.
Nenhuma criança nasce cruel. A crueldade é aprendida, cultivada,
reforçada. Ela germina onde falta afeto e onde o respeito não é hábito. Cresce
nas casas em que se ensina o medo em vez da escuta, a autoridade em vez da
presença.
Uma criança que humilha o colega está repetindo algo que viu e sentiu
talvez a frieza de um pai, o desprezo de uma mãe, o riso de quem debocha da
fragilidade. Ela aprendeu, cedo demais, que o mundo é um lugar onde quem
demonstra sensibilidade é devorado. E então, para não ser devorada, devora
primeiro.
Na superfície, parece forte. Anda com o peito erguido, ri alto,
impõe-se pelo medo. Mas por dentro, o que habita é uma insegurança abissal. Há
um medo de ser menor, um pavor de ser invisível.
O agressor só sabe existir se o outro se encolhe é a diminuição alheia
que lhe dá contorno, é o silêncio da vítima que lhe concede voz.
É triste pensar que há crianças que só se sentem alguém quando
destroem o que há de vivo no outro. É como se precisassem apagar o brilho de
fora para não perceber o escuro de dentro.
A psicologia reconhece, no comportamento do agressor, traços de
sadismo e falhas graves na formação da empatia. O prazer em provocar sofrimento
revela uma distorção na maneira como o sujeito lida com a alteridade.
O outro, para ele, não é alguém, mas um objeto. Um brinquedo sobre o
qual se exerce controle, um espelho que deve ser mantido trincado para não
revelar a própria feiura moral.
O prazer do bullying é o prazer do domínio. É a sensação primitiva de
poder sobre a fragilidade alheia. Mas o que se esconde sob esse poder é
impotência. O agressor não domina o outro; domina apenas a ilusão de que é
superior.
E essa ilusão, alimentada dia após dia, vai se tornando um vício. Há
algo de viciado em quem agride: um ciclo de autossustentação em que a dor do
outro é o alimento da própria carência.
A ausência de empatia - essa incapacidade de reconhecer o sofrimento
que se causa - é um dos sinais mais preocupantes de uma infância desfigurada
emocionalmente.
Quando uma criança sente prazer em humilhar outra, o que está adoecido
não é a vítima: é o agressor, que já perdeu, ainda tão jovem, a capacidade de
sentir o humano.
O bullying, dentro das escolas, é quase sempre o retrato de um lar sem
respeito. Onde há diálogo, não há humilhação; onde há escuta, não há deboche.
Mas vivemos tempos em que o desdém é ensinado como inteligência, e a
empatia é vista como fraqueza. Muitos adultos, sem perceber, cultivam o mesmo
comportamento que depois condenam nos filhos.
Riem de quem é diferente, falam com desprezo de quem pensa outro modo,
aplaudem a agressividade disfarçada de sinceridade.
O bullying escolar é, em muitos casos, apenas a versão reduzida e sem
filtros da violência emocional que permeia os adultos.
Assim, a criança que aprende a zombar do colega talvez esteja apenas
encenando o que testemunha em casa: a ironia como linguagem, o sarcasmo como
defesa, o orgulho como forma de sobreviver.
Mas toda defesa tem um preço. Quanto mais o agressor constrói essa
muralha de arrogância, mais se isola de si mesmo. E chega um momento em que ele
já não sabe quem é sem a sua máscara.
O tempo, esse grande revelador, costuma ser implacável com os que se
sustentam sobre a dor alheia.
O adolescente que faz bullying, se não for ajudado, crescerá como um
adulto incapaz de amar de forma autêntica. Viverá relações de domínio e
competição, não de afeto.
Será, no fundo, sempre o mesmo: alguém que precisa vencer o outro para
suportar o próprio vazio.
Enquanto isso, as vítimas, aquelas que um dia foram alvo de risos e
exclusão, costumam carregar suas cicatrizes com mais sabedoria do que amargura.
Aprendem a compreender o sofrimento, a reconhecer no outro a dor que
um dia sentiram. Tornam-se sensíveis, criativas, resilientes.
Porque a dor, quando enfrentada com coragem, ensina.
Mas a crueldade, quando não é tratada, destrói quem a pratica.
O agressor, cedo ou tarde, descobre que não há prazer que preencha o
buraco de quem nunca aprendeu a se relacionar com o mundo a partir da empatia.
É preciso inverter o olhar. Não basta amparar as vítimas - é
necessário tratar os agressores.
O menino que ri da dor alheia, a menina que expõe e humilha, são os
que mais precisam de ajuda psicológica.
Não porque sejam inocentes, mas porque estão doentes.
E se não forem tratados agora, amanhã serão adultos violentos,
incapazes de vínculos verdadeiros, e possivelmente fracassados em todas as
dimensões da vida.
O bullying não é apenas um problema de convivência escolar: é um
sintoma social, um espelho do modo como ensinamos nossos filhos a lidarem com o
poder, com o afeto, com a diferença.
Enquanto uma geração crescer acreditando que respeito é fraqueza e
empatia é perda de tempo, continuaremos formando pessoas emocionalmente
analfabetas.
No fim, quem sobrevive ao bullying é sempre o ferido - não o cruel.
O ferido se refaz, aprende a ler o mundo com mais delicadeza,
transforma o sofrimento em sabedoria.
O cruel, por outro lado, permanece prisioneiro da própria miséria
moral. Vive uma vida pequena, sem amor, sem autenticidade, sem paz.
Quem precisa diminuir o outro para sentir-se alguém jamais conhecerá o
verdadeiro sentido da grandeza.
Porque ser grande não é vencer: é compreender.
E compreender o outro é algo que só o coração sensível consegue fazer.
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