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Unicamp concede título de Doutor Honoris Causa a Milton Nascimento

A Unicamp apresentou à comunidade universitária, na tarde desta quinta-feira (10/04), na sala do Conselho Universitário (Consu), a entrega do título de Doutor Honoris Causa para o cantor, compositor e multi-instrumentista Milton Nascimento. Na celebração, foi exibido o vídeo gravado na casa do artista, no Rio de Janeiro, no dia 25 de fevereiro, quando o músico recebeu a honraria das mãos do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles. Também esteve presente o diretor do IA e proponente da homenagem, professor Fernando Hashimoto.

De acordo com Meirelles, a realização dos dois eventos pautou-se pela “opção de privilegiar, acima de tudo, a pessoa do homenageado”, considerando questões de saúde e também do envolvimento de Milton Nascimento com outras atividades no período do Carnaval. “Fizemos todo o esforço para entender as dificuldades e fazer esse gesto de reconhecimento da importância do Milton para a cultura brasileira. Se fizéssemos a divulgação naquele momento, o significado da entrega do título seria diluído pelos outros eventos nos quais ele estava envolvido”, esclareceu.

Entrega do título foi marcada pela emoção, segundo o reitor Antonio Meirelles
Entrega do título foi marcada pela emoção, segundo o reitor Antonio Meirelles

O reitor destacou sua emoção durante a entrega do título e a honra de ter o músico entre os detentores do título de Doutor Honoris Causa da instituição, lembrando de sua própria história. “Formei-me na Unicamp em 1980, e a ‘Canção da América’ era a ode que todas as turmas de graduação usavam como referência da amizade que se construiu entre essas pessoas na vida universitária”.

Para Meirelles, o cantor deixou uma marca na história da Unicamp e também de toda uma geração de brasileiros. A cerimônia terminou com a apresentação de duas canções de Milton Nascimento – “Morro Velho” e “Maria, Maria” –, na voz de Graciela Soares, acompanhada do violão de Eddy Andrade.

No vídeo exibido, o compositor agradeceu a homenagem. “Acabei de receber essa coisa maravilhosa da Unicamp. Tô muito feliz”, disse emocionado. (assista ao vídeo abaixo)

A outorga do título ao músico marca a relevância cultural do gênero na Unicamp
A outorga do título ao músico marca a relevância cultural do gênero na Unicamp

Pioneirismo

A outorga do título a Milton Nascimento é coerente com a história do IA, um dos institutos mais antigos da Unicamp, que foi a primeira universidade brasileira a criar um curso de graduação em Música Popular, no ano de 1989, demarcando a relevância cultural do gênero e servindo como modelo para outras instituições de ensino superior. “A universidade foi pioneira no movimento de compreender que a música popular era objeto de tamanha importância para a cultura brasileira que caberia estudá-la e promover uma formação com essa matriz. Esse reconhecimento a Milton Nascimento abre portas para acolher cada vez mais esses saberes diversos dentro do universo acadêmico”, aponta a professora do IA Regina Machado, que presidiu a comissão especial designada para emitir parecer sobre a proposta, composta também por Paulo Costa Lima (Universidade Federal da Bahia), Thais dos Guimarães Alvim Nunes (Universidade Federal de São Carlos) e Thais Lima Nicodemo, também do IA.

Para Hashimoto, aliar o nome de Milton Nascimento ao da universidade é motivo de orgulho, pois ele “é a cara do Brasil, representa o nosso povo”. A valorização da música popular brasileira é um processo em construção, que vem em uma crescente desde a década de 1980: “São centenas de pesquisas que tratam do Milton ou dos movimentos de que ele fez parte. Muito da produção dele já está refletida no ambiente acadêmico. Com a concessão desse título, o ciclo se fecha: ele teve uma carreira, teve reconhecimento, foi estudado na academia e depois retorna [à academia]. Isso faz parte da conversa que a universidade deve ter com a sociedade.”

Um artista completo

Milton Silva Campos do Nascimento, nascido em 1942, no Rio de Janeiro, cresceu e iniciou sua carreira musical aos 13 anos no município de Três Pontas, Minas Gerais, para onde se mudou com sua família adotiva após o falecimento de sua mãe. Sua primeira canção, Barulho de Trem, foi lançada em 1962. Pouco tempo depois, mudou-se para Belo Horizonte para estudar economia – uma mudança que o aproximaria do universo musical e determinante para sua consagração. Isso, porque foi na capital mineira que Milton formaria o grupo Clube da Esquina, com Lô e Márcio Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e outros amigos. Um álbum homônimo foi lançado em 1972 e outro, “Clube da Esquina 2”, em 1978 – trabalho reconhecido por revolucionar a Música Popular Brasileira (MPB). A relevância do grupo é atemporal: a graduação em música popular da Unicamp, na modalidade voz, dedica uma disciplina inteira para estudar suas composições.

Seu primeiro grande sucesso, no entanto, ocorreu ainda antes do Clube da Esquina, em 1967, com a apresentação da música “Travessia”, em parceria com Fernando Brant, no II Festival Internacional da Canção da TV Globo. Essa performance conquistou o segundo lugar e deu a Milton o título de melhor intérprete. No mesmo ano, o artista lançou seu primeiro álbum, que levou o nome da canção. A repercussão lhe rendeu convite para gravar “Courage” (1968), nos Estados Unidos, com a participação do pianista Herbie Hancock, os arranjos de Eumir Deodato e a produção de Creed Taylor (que já havia trabalhado com grandes nomes da bossa nova como Tom Jobim e João Gilberto) – alçando sua carreira ao patamar internacional.

Milton Nascimento é reverenciado, por especialistas, como "voz de Deus" por sua extensão vocal
Milton Nascimento é reverenciado por especialistas como “voz de Deus” por sua extensão vocal

Em seus mais de 50 álbuns e mais de 400 obras compostas, a trajetória de Milton é diversificada, com influências da bossa nova e mescla sonoridades das tradições mineiras e de raízes afrobrasileiras, indígenas e latino-americanas, além de influências do jazz, do rock e do rock progressivo. “Apesar de ser uma música com aspectos de não tão fácil assimilação, mesmo assim grandes sucessos foram criados com canções que se popularizaram, que as pessoas cantam até hoje e que foram gravadas por muitos artistas ao redor do mundo”, pontua Machado. Segundo a professora, ele é reconhecido por sua criatividade e pelo caráter exploratório de sua obra, criando arranjos muito particulares ao privilegiar as cordas soltas do violão, por exemplo.

Hashimoto argumenta que Milton Nascimento logrou angariar aclamação tanto por sua qualidade técnica, dentro do ramo musical, quanto pela admiração do público, que se emociona e se enxerga nos sentimentos expressados pelo artista. Reverenciado como “voz de Deus”, sua extensão vocal – desde o extremo grave até o extremo agudo – tornaram-no um intérprete único. O uso original da voz fica visível no seu álbum “Milagre dos peixes” (1973), do qual a maioria das canções foi censurada pela ditadura militar. Assim, de acordo com Hashimoto, Milton substituiu as palavras por vocalizações que, juntamente com a percussão de Naná Vasconcelos, carregam uma carga emotiva que consegue transmitir a mensagem pelas entrelinhas.

Trabalho colaborativo

A universalidade de seu trabalho é também aparente nas muitas colaborações com outros artistas ao longo dos anos e nas regravações de suas canções, que ecoaram e continuam a reverberar em artistas como Elis Regina, Maria Bethânia, Fafá de Belém, Björk, Chico Buarque, Paul Simon, entre muitas outras. “É uma música que está viva, sendo refeita”, ressalta Machado. Exemplos disso são Gil & Milton (2000), com Gilberto Gil, e Milton + Esperanza (2024), com Esperanza Spalding, cantora de jazz americana. A valorização do trabalho colaborativo é, portanto, outra marca de Milton Nascimento, que trabalhou ativamente para pavimentar o caminho para outros artistas, como o grupo mineiro Uakti. “Isso é uma coisa rara no meio artístico, ele tem essa habilidade de estimular outros”, afirma Hashimoto.

Por meio da assimilação de diferentes referências musicais, o cantor criou um estilo próprio com influência marcante na música mundial. O artista ganhou cinco Grammy Awards e já recebeu o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Berklee College of Music (2016), uma das mais prestigiosas universidades de música dos Estados Unidos da América, pela Universidade Estadual de Minas Gerais (2012) e pela Universidade Federal de Ouro Preto (2000).

De acordo com Hashimoto, o reconhecimento a Milton Nascimento é o pontapé inicial para novas titulações propostas pelo IA a artistas de diferentes áreas e também professores eméritos do instituto. “Precisamos reforçar para a população mais jovem, que é aquela que pode realmente transformar o nosso futuro, a importância da produção artística brasileira”, conclui.

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