'Meu partido é Limeira'

Maria Thereza e Dr. Trajano, em foto sem data: viúva em 1930, assumiria empresa e política

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Município recebe acervo da família de Maria Thereza Silveira de Barros Camargo

A referência imediata que se tem de Maria Thereza Silveira de Barros Camargo é de uma das primeiras prefeitas do Brasil e esposa de Trajano de Barros Camargo, industriário limeirense. Só que mais detalhes da vida da mulher dedicada à indústria e à política chegam a Limeira por meio de acervo conservado pela família, além de relatos da neta, Thereza Christina Rocque da Motta, filha de Maria Thereza, a Marieza, que recebeu o mesmo nome da mãe.

Mais do que um dom, pode-se dizer que a veia política de Maria Thereza, referenciada pela neta como Therezinha, é genética. Ela nasceu em Piracicaba em 12 de novembro de 1894, apenas três dias antes de seu avô, Prudente de Moraes, tomar posse como o primeiro civil presidente da República. Sua mãe era a filha primogênita de Prudente, Maria Amélia de Moraes Barros, casada com Silveira Mello, pediatra de Piracicaba. Ganhou o nome da tia, uma das filhas do presidente, falecida ainda criança. Além de avô, o presidente também era o seu padrinho, com a avó e primeira-dama Adelaide. Foi batizada no Palácio Itamaraty.

A herança política foi assumida em 1930, após a morte de dr. Trajano. Engajada na campanha constitucionalista de 1932, foi prefeita e deputada pelo Partido Constitucionalista, fundado por ela antes de 1934. Conquistada a Constituição, a chegada do Estado Novo foi com a cassação de partidos. Quando essas associações voltaram a ser autorizadas, voltou à política, não para se eleger, mas para trabalhar no Partido Social Democrata (PSD), fundado por ela em 1945. "Ela buscava coisas para Limeira, das quais a cidade precisava. Algo que ela sempre dizia era: 'meu partido é Limeira", conta Thereza Christina, que tem 62 anos e é advogada e editora, além de pesquisadora da história da família.

Apesar de ter nascido em Piracicaba e ido para São Paulo após o fim da vida política, a neta salienta a adoção de Limeira como cidade por Maria Thereza, onde está enterrada. Ela faleceu em 29 de julho de 1975, em São Paulo. A filha, Marieza, era a caçula, nascida em 1928 e falecida em 2014, em decorrência de uma doença degenerativa.

Thereza Christina tem a lembrança enquanto criança, do último almoço na chácara da família, o Palacete Tathuiby, quando foi desapropriada nos anos 1960. Lembra de estar à mesa, de frente para os vitrais, e da sobremesa que queria repetir, à revelia do pai e sob o afago da avó: "deixa a menina comer".

As informações da vida da avó vieram pelas histórias da mãe, referenciada nesta reportagem como Marieza, embora o apelido não agradasse Trajano e não tivesse sido usado posteriormente. Mesmo assim ainda ostenta o letreiro do lago do bosque Maria Thereza, que fazia parte da chácara.

Além das histórias, Marieza guardava vasta documentação produzida pela família, como fotos e manuscritos. Parte desse material foi doado ao Museu de Limeira, e está em processo de catalogação pra a ser disponibilizado a pesquisadores.

Mas muitos documentos Thereza Christina só descobriu após a morte da mãe. Entre eles estão cartas "amorosíssimas" de Trajano a Maria Thereza, já que o engenheiro viajava bastante após a fundação da Machina São Paulo, na década de 1910. No entanto, não há cartas dela para ele. "Deixou discursos manuscritos do tempo que foi prefeita e anotações das leituras que fazia e músicas clássicas que apreciava, mas nunca deixou nenhum diário, pelo medo que os escritos pudessem ser usados politicamente contra ela", conta a neta.

Eles se casaram em 1914 e, após a morte dele, em 1930, ela assumiu a fábrica com o filho mais velho, Nelson, então com 15 anos, de forma que todos os filhos acabaram atuando na empresa. "Quando Trajano morre, em 8 de abril de 1930, ela assume esse lado político que o avô exerceu. É um cenário pós quebra da Bolsa de Nova York em 1929, em que as máquinas estavam com preço baixo, e Trajano, doente. Viúva e com sete filhos, não gostava da política, mas aceitou a incumbência", conta a neta, que prepara um livro sobre Prudente de Moraes, e deve se debruçar também sobre os detalhes da trajetória da avó.

PREFEITA

Maria Thereza não foi a primeira prefeita do Brasil. O posto é da potiguar Luíza Alzira Soriano Teixeira, que assumiu a prefeitura de Lajes, cidade do interior do Rio Grande do Norte, em 1929. Mas foi a primeira do Estado de São Paulo, indicada e nomeada em 1934, época que as mulheres estavam começando a votar. Até hoje, foi a única em Limeira. No ano seguinte, foi eleita deputada para a assembleia constituinte. Thereza Christina conta que sua nomeação também foi um reconhecimento do trabalho durante a Revolução Constitucionalista de 1932, em que foi diretora do banco de sangue da Santa Casa, que seria coordenado pela Cruz Vermelha.

Também foi madrinha política de Ulysses Guimarães quando este começou a carreira política. Eles tinham parentesco, como explica a neta. "Ele pertencia à família Silveira, do pai dela. Seu nome completo era Ulysses Silveira Guimarães, que é o sobrenome do pai dele. Em 1945, Ulysses tinha 29 anos, quando minha avó já tinha sido prefeita e deputada. Ele seguiu ao longo da carreira dele a plataforma política de minha avó, defendendo o voto distritral".

A mulher que cresceu em meio ao poder e assumiu a veia política foi muito cortejada, mas jamais se casaria novamente. Esta é a história que chegou à neta. Entre as posses da família e gestão da fábrica, tinha meios de subsistência, sem nunca ter se encaixado no posto de dona de casa, comum à época. "Era professora, tinha a visão de educadora. Já naquela época, em 1935, defendia a abertura de escolas para o fechamento de cadeias. Foi responsável pelas primeiras letras dos filhos, mas, quando a cidade ainda não tinha a escola, ela e o marido constróem a escola. Para os seus filhos e para a cidade".

O (mui) amigo
Getúlio

A história dá conta de que a chácara Coronel Flamínio, como era a referência da família ao atual Palacete Tathuiby, que será restaurado, era o melhor hotel de Limeira. Nele, Maria Thereza dava conta não só dos filhos, mas das formalidades políticas, recebendo autoridades. Entre elas estava Getúlio Vargas. Se ele foi o responsável pela sua nomeação enquanto prefeita, também foi quem cassou os partidos, incluindo o dela, após a Constituinte e início do Estado Novo.

Quando da reabertura, Maria Thereza não se candidatou mais, mas trabalhava no partido. "Ela não gostava de Getúlio, mas o PSD tinha aliança com o PTB, então teve que aceitá-lo em sua casa", conta Thereza Christina. A visita foi em 1948, durante campanha de Getúlio para as eleições do ano seguinte, às quais venceria, assumindo em 1950. Na pernoite na chácara de Maria Thereza, Gregório Fortunato, que era o chefe da guarda pessoal de Getúlio, teria dormido não numa cama, mas na porta do quarto onde Getúlio foi acomodado, fazendo jus à fama de "cão de guarda".

Uma única foto registra Getúlio nos jardins da chácara. "Na época, isso era normal, as visitas e hospedagens eram corriqueiras. Não havia a perspectiva histórica do que estavam vivendo, então nem tudo foi registrado", lamenta. (Daíza de Carvalho)

A autonomia feminina

Marieza era a caçula entre os filhos, e uma das exigências da mãe, Maria Thereza, era que se formasse primeiro, antes de se casar. A mulher deveria ter o poder de se sustentar no caso de ausência do marido, não se submetendo à dependência financeira. "Foi uma das instruções que passou para ela. Dizia que o segredo do bom casamento era a independência financeira, pois era perigoso para a família não ter a subsistência garantida, num caso de separação, desemprego ou viuvez", conta Thereza Christina que, enquanto advogada, se dedicaria ao Direito da família, em questões como essa. "Maria Thereza tinha o dinheiro dela, e do marido, e o sustento pela fábrica. Ela teve independência financeira".

Quando Getúlio esteve na chácara, Marieza voltava de uma viagem e foi no trem que soube que teria que tomar café com o candidato à presidência. "Ela se preparava para o vestibular no curso de Arquitetura. E ele disse que o Brasil precisava mesmo da atuação de mulheres. Disse que elas precisavam de três coisas: saber datilografar, dirigir um carro e falar uma língua estrangeira. Falava sobre a mulher se tornar independente, mas a vida social era diferente da vida prática. Mesmo assim, minha mãe aprendeu a dirigir carro, trocar pneu, numa autonomia incentivada pela minha avó". (Daíza de Carvalho)

Mais história

Na próxima terça-feira, dia da Revolução Constitucionalista, a Gazeta traz mais detalhes da participação de Maria Thereza na busca da Constituição. Na mesma data, a Prefeitura de Limeira promove ato de memória ao movimento de 1932, às 9h, na Praça do Soldado Constitucionalista (mausoléu do sargento Pierrotti, Cemitério Saudade I). (DC)

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