Pandemia trouxe discussões sobre trabalho e adaptações

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Cenário atual das relações trabalhistas nitidamente demonstra a existência de uma situação nova e sem precedentes”, diz advogada

Home office, sistema híbrido, redução de jornada e salário, direito à desconexão. Com a pandemia do coronavírus, o mundo corporativo e as relações trabalhistas passam por intensas transformações culturais com a mistura destes e outros temas. São tantas situações inéditas que as omissões na legislação levam os tribunais a interpretações para realidades em processo de mudança e adaptações constantes.

A advogada Ana Maria Azenha, entrevistada do Fato & Versão, explica os principais dilemas em discussão no direito do trabalho na pandemia. Ela cita que houve impacto direto da pandemia no surgimento de novas demandas trabalhistas. “Atualmente, estima-se que foram ajuizados aproximadamente pouco mais de 145 mil processos desde o surto da covid-19”, diz.

Passado mais de 1 ano de pandemia impactando as relações trabalhistas, qual saldo em relação às adaptações na legislação? Há muito a ser feito para que os direitos trabalhistas fiquem plenamente assegurados?

Os eventos inesperados, como o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia da covid-19, promoveram intensas transformações nas nossas vidas. O cenário atual das relações trabalhistas nitidamente demonstra a existência de uma situação nova e sem precedentes. Dizem, por exemplo, que o universo Offline já acabou e que, o futuro do trabalho tende a ser híbrido. Mas, o que significa afirmar isso? Conhecer os novos conceitos é fundamental para as empresas terem certeza que estão atuando dentro da lei, garantindo os direitos e deveres dos seus empregados.

Sobre isso, destacamos as medidas provisórias editadas pelo Governo Federal que flexibilizou direitos trabalhistas, como o home office, trabalho remoto ou a distância, redução de jornada e salário, suspenção de contratos de trabalho, antecipação das férias com comunicação de antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico, entre outros. No entanto, houve um impacto direto da pandemia no surgimento de novas demandas trabalhistas. Atualmente, estima-se que foram ajuizados aproximadamente pouco mais de 145 mil processos desde o surto da covid-19, que tratam de matérias direta ou indiretamente relacionadas com a pandemia. É justamente nesse contexto, diante de potenciais e relevantes mudanças promovidas pelo distanciamento social, que a empresa deve estar devidamente aconselhada juridicamente.

O home office foi intensificado e muitos setores devem torná-lo definitivo. O que o empresário deve analisar na hora de transformar uma medida temporária em uma política de admissão permanente?

Muito se fala atualmente sobre os chamados modelos de trabalho híbrido. O home office consiste no “trabalho em casa”, o ideal é que seja criado um ambiente específico para trabalhar nesse espaço. Mas, apesar de ser uma das alternativas, não é o único formato de regime de trabalho fora das dependências da empresa.

O que caracteriza o conjunto de modelos de trabalho híbrido é justamente a alternância do trabalho remoto (fora da empresa) e o presencial. Podemos destacar atividades realizadas em home office, coworkings, anywhere office, bibliotecas e até mesmo na sede da empresa. O que não se confunde com o trabalho externo, como o caso de vendedores externos, motoristas e motoboys entre outras profissões que são feitas externamente.

A lei trata somente sobre o regime de teletrabalho. Segundo o artigo 75-B da CLT, é aquele que a atividade do empregado é desenvolvida preponderantemente fora do ambiente corporativo, mas não necessariamente em casa. Por exemplo, um colega trabalhando de qualquer lugar e vai para a empresa somente em questões pontuais, em eventos ou em reuniões mais importantes.

A alteração contratual do presencial para o teletrabalho, conforme previsto na lei, deve ser feito por mútuo acordo entre empregador e empregado mediante termo aditivo. No dia 27 de abril de 2021, foi publicada uma medida provisória que dispensou algumas etapas formais e possibilitou, além da adoção do teletrabalho, o trabalho remoto ou qualquer outro tipo de trabalho a distância de modo temporário, com prazo de vigência de 120 dias.

Empresas que querem implementar de forma temporária podem se beneficiar com as regras emergenciais. Por exemplo, a possibilidade de alteração unilateral pelo empregador, ou seja, o empregador pode solicitar a alteração do regime para o teletrabalho e comunicar o empregado com prazo de 48h para se adequar.

O empresário deve analisar com cuidado os modelos existentes e definir no contrato individual de trabalho todos os termos, as peculiaridades e a periodicidade do empregado dentro da empresa. Enquanto o regime de home office pode ser 100% de casa, não necessariamente é predominantemente fora da empresa. Por exemplo, trabalhar três dias em casa e dois no escritório.

Para o trabalho remoto, não há limitações de espaço e o empregado tem liberdade para escolher o local onde se sente mais produtivo para realizar suas atividades. Definir o local, a estrutura, as responsabilidades das partes previamente em contrato escrito, mediante acordo coletivo ou acordo individual é de suma importância.

Ainda não existe uma lei dedicada somente ao home office, entretanto, a empresa deve estar atenta a isso, pois, apesar do trabalho ser realizado fora da empresa, devem ser mantidas todas as obrigações e formalidades trabalhistas, como cumprimento da jornada de trabalho e intervalos. (Art. 6º da CLT).

Seja qual for o melhor modelo para a empresa, caso decidido adotar esses formatos mesmo após a pandemia, devem ser observadas as regras vigentes e as adaptações necessárias no termo aditivo ao contrato de trabalho.

Para o trabalhador, o home office trouxe facilidades, mas também exige adaptações. Qual é a responsabilidade em termos de proteção à saúde e disponibilidade de equipamentos para o desempenho das funções?

Ainda que a lei seja omissa com relação aos novos formatos, segundo o artigo 75-B da CLT, a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura adequada à prestação do trabalho devem ser previstas por escrito em contrato individual de trabalho ou em termo aditivo. Se houver a responsabilidade do empregador no reembolso de despesas arcadas pelo empregado, por exemplo uso de pacote da internet, também deve ser prevista em contrato escrito.

A fim de assegurar maior segurança jurídica, as empresas passaram a regulamentar quais as responsabilidades sobre o fornecimento de equipamento; a estrutura de trabalho; modo de atividade; o valor a ser reembolsado, meios de controle de jornada, em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

Em relação aos equipamentos de proteção no teletrabalho, de quem é a responsabilidade? O que é preciso se atentar nessa questão?

São tantas questões que não foram previstas na lei e agora as empresas estão sentindo na prática e se adequando, por meio de convenções coletivas ou acordos coletivos e individuais. O art. 75-E da CLT determina que é do empregador a responsabilidade de instruir os empregados, por escrito e de forma ostensiva, quanto as precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidente de trabalho.

Importante frisar que, o empregado deve assinar termo de responsabilidade, comprometendo-se a seguir toas essas instruções dadas pelo empregador.

O empresário deve observar, além das normas de saúde e segurança aplicáveis ao exercício da função fora da empresa, meios adequados para controlar a jornada e monitorar o acesso do empregado no sistema. Contudo, em eventual acidente de trabalho no trabalho remoto ou teletrabalho, por se tratar de situação nova, as responsabilidades são passiveis de discussão e, deve ser analisado o caso concreto.

O teletrabalho e a pandemia também trouxeram outro problema à tona, que é a saúde mental do trabalhador. Como os operadores de direito do trabalho têm lidado com essa questão junto às empresas e funcionários?

Sonho para alguns e pesadelo para outros, o teletrabalho, o trabalho remoto ou a distância nunca estiveram em tanta evidência. Alguns defendem que trabalhar em casa pode ser libertador, com mais flexibilidade na rotina de trabalho e outros que não acreditam que entregam os mesmos resultados de um formato tradicional de trabalho.

O modelo híbrido também é uma transformação cultural. O empregador e empregado devem analisar a possibilidade de trabalho a distância ou em casa, de se organizar, de produzir. Após o relaxamento de medidas restritivas contra a covid-19, algumas pessoas não pensam mais em voltar a trabalhar presencialmente, como também tem gente que detesta e não vê o momento de retornar para a empresa. Ficou provado que o trabalho 100% de home office não é mais adequado para saúde mental, por isso justamente o “híbrido”, essa alternância entre atividades presenciais e trabalho a distância, é cada vez mais praticado entre grandes empresas.

Em um futuro próximo de pós-pandemia, provavelmente, o home office se torne mais flexível, híbrido, o que pode ser fantástico tanto para empregado como para empregador – se respeitadas as peculiaridades e adaptações necessárias.

A pandemia trouxe muitas situações inéditas para o Judiciário resolver. A jurisprudência tem caminhado no sentido de esclarecer bem as situações ou há muitas divergências a serem pacificadas?

Existem basicamente três questões que surgiram após as transformações nas relações trabalhistas durante a pandemia: o fornecimento dos equipamentos, saúde e segurança do trabalhador e o controle de jornada de trabalho.

Atualmente, não tem lei que dispõe regras claras e extensas no que tange ao conjunto de modelos de trabalho híbrido. Sob a ótica das jurisprudências, devem ser definidos os termos em contrato ou termo aditivo por escrito, observadas as disposições em Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo de Trabalho ou Acordo Individual de Trabalho.

A jurisprudência tem apontado no sentido de que o mero uso de e-mail ou algumas trocas de mensagens via chat fora da jornada contratual, expressamente impugnadas pela empresa, é insuficiente para o deferimento das horas extras.

Durante a pandemia, muita gente começou a trabalhar 12 ou 14 horas por dia, sem intervalo de almoço e descanso, e isso trouxe uma preocupação do Ministério Público do Trabalho, que editou Nota Técnica nº 17 com orientações, sem caráter obrigatório de lei, mas a dica é para que a empresa encontre um meio para o controle dessa jornada. O conselho que temos dado há anos aos nossos clientes, hoje, mais do que nunca, é verificar e evitar riscos de passivo mediante a verificação dos contratos de trabalho vigente. O momento é excepcional e o cuidado deve ser redobrado.

Muito se fala em um “novo normal” pós-pandemia. O que é possível vislumbrar no direito do trabalho no Brasil?

Sem dúvidas estamos vivendo um momento de transformações culturais, tanto para o empresário, como para o empregado, apesar desse contato olho no olho deixar de existir, a cultura do modelo de home office, teletrabalho, anywhere office, se instalou como uma necessidade, mas será que veio para ficar?

A lei, ainda que omissa, dispões que as partes devem definir previamente em contrato o meio de fiscalizar a produtividade, a periodicidade do empregado dentro e fora da empresa, se o trabalho é remoto, a distância ou em casa, se a empresa fornecerá equipamentos, se sim, quais seriam eles, ajuda de custos. Mesmo com tantos desafios no dia a dia, houve um aumento da prática entre as empresas que adotaram esse regime de forma definitiva e muitas já atribuem parte do sucesso a esse novo modelo das relações trabalhistas.

Com normas emergenciais sendo editadas nesse “novo normal”, o ideal é o setor de RH estar devidamente aconselhado juridicamente, com pareceres que viabilizem uma atuação segura na tomada de decisões.

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