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A emoção de ver “Ainda Estou Aqui” começou antes do início da sessão. Um público grande, mesmo para uma sessão das 18h, horário que escolhi, demonstrava ansiedade, pois sabia que estava para compartilhar um grande momento do cinema brasileiro, e já tinha o coração preparado para o que viria. Ao final, ninguém se decepcionou: um silêncio, às vezes cortado por aplausos, prosseguiu até o fim dos créditos. Ninguém saiu antes, pelo menos foi o que aconteceu na sessão a que assisti ao filme, pois todos queriam ver até a última foto mostrada.

O novo filme de Walter Salles chegou aos cinemas brasileiros no dia 7 de novembro, após causar impacto por onde passou, especialmente pela premiação como melhor roteiro no Festival de Veneza e pela calorosa recepção do público num dos mais respeitados festivais de cinema do mundo. Fernanda Torres saiu consagrada de Veneza, e o longa “Ainda Estou Aqui” começou a gerar grandes expectativas sobre eventuais premiações e, inevitavelmente, especulações sobre o Oscar. O filme é o representante do Brasil na categoria “Melhor Filme Internacional”, e já desponta como um dos favoritos a permanecer entre os 5 indicados, depois de uma peneirada que chega a uma shortlist, onde é difícil figurar, pois quase 100 países inscrevem seus filmes.

“Ainda Estou Aqui” é um filme ímpar: retrata um momento doloroso da história do Brasil, no período mais dramático da ditadura militar, o início dos anos 1970. A história é verdadeira, baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, um ex-deputado cassado , acusado de ser comunista e colaborar com opositores do regime militar, levado de sua casa para os porões da ditadura (Doi-Codi da Tijuca), onde se cometiam todos os tipos de atrocidades e barbáries. A mulher, Eunice, e uma filha de 15 anos, Eliana, também são levadas; Eliana fica presa um dia e Eunice, 12 dias. Rubens nunca mais volta. A sequência da prisão, com agentes do governo entrando e permanecendo na casa dos Paiva, é o momento crucial da ruptura de uma vida tranquila e confortável da família, para a passagem a um trágico período de angústias e privações. Walter Salles, ao transportar o livro para a tela, respeitando o roteiro de Heitor Lorega e Murilo Hauser (melhor roteiro em Veneza), acertou em tudo: ele não quis fazer um melodrama, nem forçar emoções: isso tudo surge naturalmente, e o longa consegue capturar o espectador na primeira cena e mantê-lo completamente envolvido até o final dos 135 minutos de duração. Um elenco de primeira, uma trilha sonora magnífica, uma reconstituição de época perfeita, tudo isso faz do filme de Salles um dos melhores do cinema brasileiro de todos os tempos. O destaque do elenco, é óbvio, fica para Fernanda Torres, numa soberba interpretação de Eunice Paiva, uma mulher corajosa e obstinada, que nunca desistiu de descobrir o destino dado ao marido, mesmo correndo todos os riscos. Para completar, Fernanda Montenegro, que faz Eunice perto dos 90 anos, já com estado avançado de Alzheimer, demonstra mais uma vez, sem falar uma palavra, porque é considerada a maior atriz brasileira da história. Simples assim. Injusto seria não mencionar Selton Mello, brilhante como Rubens Paiva.

Sobre o Oscar, Fernanda Torres – uma potencial indicada a melhor atriz – já tem dado entrevistas onde demonstra estar preparada para qualquer resultado, coisa que, segundo ela, só a maturidade pode lhe conferir. A última grande chance do Brasil levar o Oscar da categoria de Filme Internacional foi em 1999 com “Central do Brasil”, obra-prima do próprio Salles, com interpretação magistral de Fernanda Montenegro, indicada a melhor atriz e que perdeu para Gwyneth Paltrow , vencedora por “Shakespeare Apaixonado”, inacreditável mas compreensível, em se tratando de Hollywood. “Central do Brasil” perdeu, na ocasião, para o italiano “A Vida é Bela”, que havia recebido 7 indicações e chegava como grande favorito. O anúncio, dando toda a bandeira do resultado que viria, foi feito por Sophia Loren, grande atriz italiana, que, ao abrir o envelope nem falou o nome do filme, gritando “Roberto”, referindo-se a Roberto Benigni, ator e diretor do longa.

Para traçar um panorama sobre as possibilidades de “Ainda Estou Aqui” levar o Oscar de Melhor filme Internacional, lembremo-nos da primeira vitória da Argentina na categoria: aconteceu em 1986, com “A História Oficial”, que retratava também acontecimentos da ditadura militar argentina, e tinha a intérprete, Norma Aleandro, cotada para indicação  a Melhor Atriz. Norma não foi indicada, mas o filme ganhou. “Ainda Estou Aqui”, de temática semelhante, é melhor.  E Fernanda Torres é um assombro. Com Oscar ou sem Oscar, “Ainda Estou Aqui” é um filme obrigatório. Que as salas de cinema lotem para que ninguém perca a oportunidade de conferir, mais do que um grande e emocionante filme, um olhar cirúrgico sobre um período da história do Brasil que não pode se repetir. Nunca mais.

AINDA ESTOU AQUI – Longa de Walter Salles com Fernanda Torres, Selton Mello, Fernanda Montenegro e grande elenco. Em cartaz nos cinemas.

Cotação: ***** EXCELENTE

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