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A Verdadeira Dor

Por Farid Zaine

@farid.cultura

 

Qual é a verdadeira dor? Como superar essa dor? É possível viver feliz no presente quando um passado demasiadamente doloroso não pode ser apagado? Essas e outras questões nos sacodem o tempo todo durante o longa escrito, dirigido e interpretado por  Jesse Eisenberg , “A Verdadeira Dor” (The Real Pain). A história é simples: dois primos judeus, David Kaplan, interpretado por Eisenberg e Benji Kaplan, vivido por Kieran Culkin, viajam para a Polônia após a morte da avó, para conhecer a casa em que ela viveu. Os primos acabam integrando um pequeno grupo que excursiona pela Polônia, conhecendo a história do país e sua ligação com a Segunda Guerra e o Holocausto. David é contido, tem uma família feliz, enquanto que Benji é solitário, explosivo, às vezes brincalhão e às vezes dramático demais. As diferenças entre os dois vão aparecendo no decorrer da história, bem como uma comovente aproximação, quase uma reconciliação com o passado. Apesar de sua alegria e de sua verborragia, falando tudo o que pensa, Benji tentou uma vez se suicidar e isso tem peso na história , na relação dos primos e na forma de compreender as suas atitudes .

A excursão da qual participam David e Benji conta com um guia extremamente conhecedor dos detalhes históricos do envolvimento da Polônia na Segunda Guerra. Contudo, ele é questionado por Benji, que nunca se conforma em fazer as pazes com o passado, esse tempo que já foi, mas que continua ali, preservado nas sombrias construções do complexo de  Auschwitz . Momento crucial do filme, a visita a esse lugar de tão tenebrosas lembranças é feita de forma respeitosa, silenciosa na maior parte do tempo, cada um dos visitantes sendo tomado por uma mistura inquietante de sentimentos e memórias, e o espectador é envolvido completamente, como se fosse mais um integrante da excursão. Eisenberg constrói seu David com economia de gestos e falas contidas, enquanto Culkin transforma Benji na alma do filme, dominando o longa do começo ao fim. Ele fala de si próprio, questiona o primo, o guia e os membros da excursão, além de analisar a história sob o ponto de vista do seu interminável e justificável luto . Essa efervescência toda e essa mistura quase caótica de sentimentos e ações, ganharam em Kieran Culkin um perfeito tradutor. Não por acaso, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante já parece ser dele.

Às vezes leve e até engraçado, “A Verdadeira Dor” nos conduz a um passeio cheio de revelações , quando dois jovens judeus buscam, numa viagem concreta, reatar os laços com a história da família, seja pela homenagem à memória da avó recentemente morta, seja pela tentativa de superação – ou não – de uma dor que extrapola os vínculos familiares deles para mostrar seu pertencimento à história da humanidade.

O cinema, com toda a razão, tem tido nos temas referentes ao Holocausto, uma quantidade significativa de filmes importantes, que tocam nessa ferida de forma contundente, para que ela nunca se feche, e o mundo fique sempre atento para impedir que tal monstruosidade volte a acontecer. O perigo existe . Recentemente, através do brilhante “Zona de Interesse”, Oscar de Melhor Filme Internacional e Melhor Som de 2024, vimos uma história que mostrava com crueza, sem exibição de cenas violentas, a banalização do mal. Bom rever também o polonês “Ida”, Oscar de Melhor Filme Internacional em 2015, bem como o clássico “A Lista de Schindler”, de Spielberg, e “A Vida é Bela”, o italiano que tirou o Oscar do Brasil em 1999, quando “Central do Brasil” concorria. Graças a filmes como esses, e como “A Verdadeira Dor”, deste ano, um assunto tão doloroso, mas que deve ser permanentemente discutido, atinge milhões de pessoas em todo o mundo, fortalecendo um alerta que não pode ser desligado.

A Verdadeira Dor (The Real Pain) – Longa de Jesse Eisenberg, indicado ao Oscar de melhor Roteiro Original, e com Kieran Culkin, indicado a Melhor Ator Coadjuvante. Em cartaz nos cinemas.

Cotação: ****MUITO BOM

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