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O gosto musical de Ricardo Nunes.
Jefferson Mancini Lucas
Nesta semana, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB)
foi alvo de polêmicas em razão de suas falas sobre o projeto de lei protocolado
pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil) cujo objetivo é proibir a
contratação pela Prefeitura paulista de artistas cujas músicas façam “apologia
ao crime organizado, ao tráfico de drogas e ao uso de entorpecentes”.
Da mesma forma que já houve no país a Lei Luciano Huck, que
permitiu o avanço de uma construção sobre a praia, ou mesmo a Lei Maria da
Penha, que dispensa comentário, desta vez, a o PL da Câmara paulistana foi
denominado de Lei “anti-Oruam”.
Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruam, para quem não sabe, é um rapper
carioca filho de Marcinho VP, um dos líderes do Comando Vermelho.
Mesmo sem ter sido citado diretamente nas exposições das
razões do projeto de lei em questão, a vereadora proponente, quando realizou,
em suas redes sociais, a divulgação de seu projeto se utilizou da figura do
artista Oruam para ilustrar o quê, segundo ela, “abriu a porteira para que
rappers e funkeiros começassem a produzir músicas endeusando criminosos e
líderes de facções, usando gírias e expressões para normalizar o mundo do crime
na nossa cultura”.
Dentro deste contexto, o Prefeito de São Paulo, até mesmo
por ser a vereadora da base que o ajudou em sua eleição e dentro da câmara,
endossou o projeto de lei e não só, disse ainda: “Para você ver que eu tenho
bom gosto para música, nunca ouvi a música desse cara [Oruam]. Pelo que vi, ela
questionou sobre uma pessoa, não sobre questão cultural. Seria até injusto
colocar para a vereadora como se ela estivesse fazendo qualquer tipo de ação
contra o funk ou qualquer outro tipo de expressão cultural. Aquela pessoa
especificamente que ela tem colocado, evidentemente, se essa pessoa faz
qualquer tipo de apologia ao crime, aqui nos palcos de São Paulo, com recurso
público, ela não vai ter espaço”.
Ricardo Nunes demonstra não ter o traquejo necessário do
político, escorrega e depois tenta corrigir. Tanto que, logo após a sua
declaração, postou em suas redes sociais um vídeo no qual está com sua esposa
cantando a música Fim de Semana no Parque, dos Racionais MC’s, conjunto musical
paulistano, cujo bairro de origem é o mesmo do prefeito, o Parque Santo
Antônio, na Zona Sul de São Paulo. A intenção claramente foi tentar desfazer o
“mal-entendido” com a expressão “bom gosto musical” utilizado para o apoio ao
projeto de lei da vereadora Amanda.
Paradoxalmente, na música utilizada por Nunes, Fim de Semana
no Parque, a fim de demonstrar que não teria qualquer tipo de música oriunda da
periferia, já que, ele próprio era da periferia, diz em um determinado trecho: “Um menininho de 10 anos achou o presente. Era
de ferro com 12 balas no pente. O fim de ano foi melhor pra muita gente”.
Ou seja, um produto ilícito que trouxe felicidade a uma família no final de
ano.
Assim como Bezerra da Silva avisou “vou apertar mas não vou acender agora”; Renato Russo disse “E há quem se alimente do que é roubo”; e
até mesmo Chibo Buarque já “tacou pedra
na Geni”. Não teriam todos cometido apologia a crime?
Fato é que, independentemente do gosto musical do prefeito,
discriminar artistas pelo conteúdo de suas letras não tem outro nome senão
censura. E, claramente, a intenção de um projeto de lei é marginalizar a
expressão cultural da periferia. Cada um fala e canta o que vê. Se uma pessoa
nasce e cresce num ambiente violento e desprovido de estado, por óbvio, seus
versos, sejam escritos ou cantados, expressarão essa visão de mundo. E se nesse
mundo os heróis são anti-heróis, são estes que serão reverenciados. O Estado,
no lugar de se fazer presente e alterar a realidade de mundo destas pessoas,
preferem calá-los.
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