Foto de capa da notícia

Perspectiva e subjetividade

Queridos e amados leitores,


 


Dias atrás uma amiga me convidou para tomar um café. Ela é daquelas pessoas que a gente conhece ao longo da vida e por mais que o tempo e a distância afastem por razões adversas, trabalho, mudança de cidade por questões profissionais, o afeto e elo presente sempre junta de novo. De alguma maneira a gente se entende e a afinidade sempre foi uma linha a costurar nossa convivência.


 Quem tem amigo sabe diferenciar uns de outros. Sabe identificar a quem pode contar, em quem pode confiar e quem ainda não sabe, um dia entende e aprende que confiança não se deposita em qualquer um. Da mesma maneira, aqueles que confiam facilmente o fazem com intensidade, até se decepcionarem para aprender a agir diferente.


Partilhamos muitas coisas num café de horas a fio. A sensação foi como se tivéssemos voltado à adolescência outra vez, quando a arte cumpria o papel de vincular e manter a nossa história. Foi quando uma mulher totalmente desconhecida entrou no café onde estávamos, perguntou ao garçom o que ele recomendava para comer porque não se alimentava há horas, e sem mais nem menos, sentou-se na mesa ao lado e começou a desabafar para nós duas o ocorrido do seu dia. Aquela mulher estava trajada como alguém de finanças favoráveis, mas tão indignada que dava dó.


Dizia que estava decepcionada, porque uma colega de trabalho havia lhe caluniado para sua superior. Ela contava que ela já havia feito o mesmo com uma outra pessoa do trabalho, e embora consciente, não esperava uma atitude sem ética de quem defendia tanto o comprometimento. Ela se ressentia com a postura da amiga, decepcionada estava com a atitude traiçoeira de quem sempre colocou a sua confiança.


Eu e minha amiga nos entreolhamos sem a necessidade de verbalizar para que a compreensão se fizesse presente. E ali acolhemos aquela estranha na sua dor. Depois de falar enquanto comia, o telefone tocou, ela pediu a conta, pediu licença e foi-se embora. Assim, sem mais nem menos, do jeito que chegou! Nós ficamos ali mais um tempo. Partilhamos o que é a ética e o que a falta dela faz na vida de uma pessoa que ao ser caluniada pode ter não só a reputação, mas toda estima e crença na vida jogadas no lixo.


A ciência aponta que tudo o que ocorre com o nosso corpo nos molda. Partilhas, risadas, afetos trocados, as palavras de incentivo, o acolhimento recebido. Da mesma maneira que, ouvir palavras duras, estar expostos a comparações, desconstrói parte de quem somos. O cérebro necessita de vínculos e ligações emocionais e a relação com o outro definem a nossa personalidade e se viveremos bem ou mal.


Silenciar, visitar jardins, museus, deitar-se numa rede e sentir o vento passar auxilia o cérebro a desacelerar e quando isso ocorre, o cérebro social se mostra, nos levando a viajar em pensamentos e memórias para onde queremos estar sempre. Aprender a ler, entender e reconhecer os próprios sentimentos para reinterpretar as situações cotidianas, ao invés de permitir que as situações nos traumatizem. Afinal, olhar demasiado para dentro nos coloca em risco de responsabilizar o outro por tudo, quando deveríamos ser os protagonistas da própria história.


A pandemia passou e muita gente esperava que a humanidade acordasse daquele pesadelo melhor do que chegou. O que vimos todos os dias é o oposto, as pessoas se rebelaram, colocaram a boca no trombone das redes sociais para defender seus valores, seus direitos, suas vontades e querer, mas sem lembrar que o mundo é como uma roda gigante que quando um sobe, o outros desce para dar suporte a quem está lá em cima.


As decisões, a forma de tratar o outro, as atitudes são sempre influenciáveis. Se somos influenciados para coisas ruins, qual razão de não ser influenciado para o bem? É questão de perspectiva olhar para as mazelas humanas e extrair de si mesmo o notável que todo indivíduo carrega em si, e de forma improvável fazer a diferença no mundo. É questão de subjetividade olhar para o que é diferente, mas com a consciência que complementa o que há em nós, só que se esta subjetividade do convívio não inspirar os olhos a querer ver algo melhor, não inspirar os ouvidos ao desejo de escutar algo que agrega, não inspirar o corpo a agir de maneira vibrante, estaremos fadados ao fracasso das relações humanas.


Beijos de luz!

Comentários

Compartilhe esta notícia

Faça login para participar dos comentários

Fazer Login