
Meninos não nascem odiando meninas, mas aprendem rapidinho
Estreou na semana passada na Netflix uma série chamada Adolescência. Quatro episódios, todos curtos, fáceis de maratonar. Mas eu te garanto: quando termina, a sensação é de ter levado um soco na cara.
O enredo gira em torno de um garoto de 13 anos acusado de matar uma colega de classe. E a trama, apesar de ficcional, poderia muito bem estar em qualquer noticiário real. O que a série escancara – e que deveria ser manchete todo santo dia – é a urgência de olhar pra como estamos criando nossos meninos. Ou melhor: como estamos falhando na criação deles.
Porque a gente fala muito das meninas – com razão. A gente ensina, alerta, fortalece, prepara. Mas os meninos? Crescem soltos. São ensinados a reprimir sentimento, a evitar qualquer traço de vulnerabilidade, a engolir o choro, a tomar o que querem. E o resultado a gente vê estampado por aí: adolescentes que odeiam mulheres, que consomem conteúdo misógino como se fosse tutorial de vida, que compartilham vídeos de estupro em grupo em grupos de WhatsApp e ainda dão risada.
E antes que alguém diga que é “culpa da internet”, vamos parar por aqui. A internet só potencializa o que a sociedade já ensina. Quem está dizendo pra esses meninos que mulher é descartável, que o corpo feminino existe pra ser controlado, que não tem problema nenhum em “passar dos limites”? Spoiler: é o mundo inteiro. Em casa, na escola, na igreja, nos filmes, nos jogos, nos colegas. A misoginia não é um desvio. É projeto.
E o feminismo, por muito tempo, focou – de novo, com razão – em proteger as meninas, denunciar abusos, garantir espaços. Mas, no meio disso tudo, a gente deixou passar uma coisa básica: se os meninos não forem educados de outra forma, a conta não fecha. Não adianta ensinar uma menina a dizer não se o menino não aprende a ouvir. Não adianta ensinar empoderamento se eles continuam aprendendo dominação.
E aí vem o pulo do gato: quando a gente fala em educar meninos, não é colocar uma camiseta com “feminista” e tá resolvido. É trabalho diário, chato, de base. É dizer “não” quando ele interrompe a irmã. É não rir quando ele faz piada machista. É prestar atenção nas referências que ele consome, nos vídeos que assiste, nos ídolos que idolatra. Porque enquanto a gente olha pra Barbie, ele está lá ouvindo Andrew Tate falar que mulher que transa com muitos caras não vale nada.
Tem gente que ainda repete: “Mas ele é só um menino, não sabe o que está fazendo”. E eu fico pensando: até quando a gente vai fingir que não sabe? Que não percebeu que esses “meninos” de 13, 14, 15 anos estão cada vez mais violentos, cada vez mais cruéis, cada vez mais organizados? Esses garotos não são bobos. Eles têm internet, têm amigos, têm tempo. E têm raiva. Raiva de não se sentirem importantes. Raiva das meninas que agora têm voz. Raiva de não serem mais o centro do mundo – ainda que o mundo siga girando em torno deles.
A série não dá todas as respostas. Nem era pra dar. Mas ela acerta em cheio quando mostra que o ódio contra mulheres começa cedo. E que não adianta a gente seguir falando só entre nós. Ou a gente encara de frente a necessidade de educar esses meninos com a mesma intensidade que a gente luta pelos direitos das meninas, ou vamos continuar enxugando gelo. Denunciando crimes depois que já aconteceu. Chorando mortes depois do enterro.
E que fique claro: educar meninos não é tarefa só das mães. Nem das professoras. Nem das feministas. É trabalho coletivo. E é urgente. Porque se a gente continuar criando meninos que acham que têm que provar masculinidade com agressividade, com silenciamento, com pornografia, com desprezo, a conta vai chegar. Aliás, ela já chegou.
E se ainda tem quem ache exagero, eu te convido a assistir Adolescência. Mas prepara o estômago. Porque ali não tem vilão caricato. Tem só um menino. Um menino comum. Como tantos por aí. E uma garota morta. Como tantas por aí.
Mas, diferente da série, na vida real, não tem final que conserte o estrago.
Comentários
Compartilhe esta notícia
Faça login para participar dos comentários
Fazer Login