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Cine-denúncia

Por Farid Zaine

@farid.cultura

 

Denúncias são temas recorrentes no cinema, tanto em filmes baseados em fatos reais como em documentários. Começo hoje falando do ganhador do Oscar 2025 como melhor documentário: trata-se de “Sem Chão”, título brasileiro para “No Other Land”, exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2024 e que era cotado para levar o Oscar da categoria , o que de fato aconteceu, com justiça, embora disputasse de perto com outro documentário importante e bem realizado, o representante da Ucrânia, “Porcelain War”, ou “Guerra da Porcelana”, também exibido na Mostra.

 “Sem Chão”, faz uma denúncia através da inusitada união entre dois jovens cineastas e ativistas, um palestino, Basel Adra, e outro israelense, Yuval Abraham, diretores do filme junto com Hamden Ballal e Rachel Szor. Ballal, aliás, foi preso e espancado por soldados israelenses no dia 24 de março, e depois solto. “Sem Chão” não  trata da guerra entre Israel e o Hamas, conflito que já matou milhares de pessoas. Nesse caso, a denúncia é sobre moradores da comunidade de Masafer Yatta, conjunto de  vilarejos palestinos no sul da Cisjordânia: ali eles lutam por manter em pé suas casas, em áreas onde vivem agora e onde viveram seus antepassados desde de um século atrás. Acontece que Israel reivindica a área para seu exército, e tenta expulsar de lá os moradores, esses com lutas antigas por poder viver em suas casas. As casas são sistematicamente derrubadas por potentes escavadeiras do exército israelense, e nem mesmo uma escola erguida com sacrifícios para as crianças da região, escapam da derrubada. As imagens contundentes, sob narração de Adra, constroem um panorama nítido e perturbador do que acontece naquela área. Adra usa inclusive imagens guardadas desde 2009, e prossegue numa luta em que seu pai também sempre esteve envolvido. A amizade entre o palestino Adra e o israelense Abraham, que supera todas as diferenças entre seus povos, soa como um forte apelo para que, através do filme, o mundo tome conhecimento dessa dramática tentativa de pessoas quererem nada mais que o direito de viverem em seus lares. Um filme indispensável, em cartaz nos cinemas brasileiros desde 13 de março.

Outra denúncia vem através do longa “Pequenas Coisas como Estas”, dirigido por Tim Mielants. Aqui é contada uma das histórias de fatos terríveis acontecidos na Irlanda, quando jovens mulheres eram confinadas em conventos, ou por estarem grávidas, ou por terem seu comportamento considerado inadequado, sendo chamadas de “decaídas”; elas ficavam nos conventos, seus bebês eram doados e elas se submetiam a trabalhos pesadíssimos e maus tratos. No caso, é mostrado um desses locais, em New Ross, em 1985, onde um convento é dirigido com mãos de ferro pela irmã Maria, papel da excepcional Emily Watson. Mas quem carrega o filme é o grande Cillian Murphy, que faz Bill Furlong, um vendedor de carvão, que tem esposa e 5 filhas. Ao desvendar os dramas sofridos por essas mulheres, acontecidos dentro do convento, e que a cidade ao redor teima em ignorar, ele passa a viver o drama de proteger a estabilidade da família, mantendo o silêncio, ou fazer o que pede a sua consciência. Drama ambientado numa Irlanda sombria, fria e úmida, o que confere mais dramaticidade à narrativa. Cilliam Murphy faz seu primeiro filme após ganhar o Oscar de melhor ator por “Oppenheimer”, em que ele foi extraordinário. Aqui ele faz um Bill Furlong bastante contido, mas seus silêncios e seus famosos e expressivos olhos azuis, falam mais do que muitas palavras. Esses fatos também já mereceram outro filme, “Em Nome de Deus” – título brasileiro para “The Magdalene Sisters”, em 2001. Uma curiosidade: a atriz Eileen Walsh está tanto no filme de 2001 como no de agora, “Pequenas Coisas como Estas”, em cartaz nos cinemas.

Há duas semanas falamos de “Vitória”, em que Fernanda Montenegro interpreta Nina, idosa que não se cansa de denunciar crimes acontecidos em frente da sua janela, no seu apartamento no Rio, em Copacabana. No caso, a insistência de Nina, a Joana da Paz da vida real, leva à prisão muitos criminosos. Desde a estreia, “Vitória”  atraiu mais de 550 mil pessoas ao cinema, já se configurando como um novo sucesso do cinema brasileiro após o Oscar de “Ainda Estou Aqui”.

Certas denúncias são capazes de mudar o rumo de muitas histórias. E o cinema está sempre atento para que, através de ficções “baseadas em fatos reais” ou documentários, verdades necessárias sejam espalhadas por todo o mundo.

SEM CHÃO (No Other Land) – Vencedor do Oscar de Melhor Documentário

Cotação: *****ÓTIMO

PEQUENAS COISAS COMO ESTAS – Longa com Cilliam Murphy

Cotação: ****MUITO BOM

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