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O funcionalismo público no front humanitário das guerras do mundo

Artur Marques*

Quando se fala em funcionalismo público, a memória coletiva recai imediatamente sobre figuras mais próximas da rotina da população: o professor na escola do bairro, a médica do posto de saúde, o policial ou a atendente da agência do INSS. São faces visíveis e indispensáveis dos relevantes serviços prestados pelos servidores à sociedade. Mas, há outras funções também importantes, desempenhadas longe dos olhos do grande público, embora fundamentais para preservar a dignidade humana.

É nesse bastidor silencioso, mas determinante, que atua um grupo de servidores dedicado a cuidar de uma das consequências mais profundas e tristes da atual crise geopolítica global: o deslocamento forçado de pessoas por guerras, perseguições políticas, étnicas e religiosas. No mundo, já são mais de 120 milhões de indivíduos vivendo nessa condição, segundo a Agência da ONU para Refugiados (Acnur). E o Brasil, em meio a esse cenário alarmante, tem assumido um papel cada vez mais relevante como país acolhedor e protagonista dessa agenda humanitária.

Por trás dessa atuação está o trabalho técnico e contínuo de órgãos como o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que reúne representantes de diversos órgãos federais e estaduais e conta com a colaboração de servidores públicos dedicados à análise de solicitações de refúgio, emissão de pareceres, elaboração de políticas e articulação internacional. É um trabalho que exige rigor jurídico, sensibilidade cultural, conhecimento geopolítico e, acima de tudo, compromisso com os valores humanitários que regem nossa Constituição e tratados internacionais dos quais somos signatários.

Nos últimos anos, o número de pedidos de refúgio no Brasil aumentou significativamente, especialmente após crises como as da Venezuela, Haiti, Síria e Afeganistão. Em 2023, nosso país consolidou-se entre os que mais recebem solicitações de refúgio nasAméricas. É um sinal de confiança internacional e de institucionalidade sólida. Mas, isso só é possível porque há quem trabalhe com seriedade, discrição e senso humanitário na triagem, acolhimento e integração dessas pessoas.

Cada decisão de reconhecimento do status de refugiado é resultado de uma cadeia de trabalho técnico-operacional que envolve entrevistas, análise documental, pareceres jurídicos e acompanhamento social. Um esforço muitas vezes invisível de funcionários públicos dedicados, mas que carrega o peso de mudar destinos. São funcionários que, mesmo invisíveis às manchetes e à mídia, constroem pontes para que milhares de pessoas possam reconstruir suas vidas com segurança, dignidade e respeito.

Em tempos em que o funcionalismo público nem sempre é reconhecido por governos e até pela sociedade, cabe lembrar que ele está presente também na mitigação dos problemas resultantes da crise humanitária global e que, por trás do Brasil acolhedor que ganha destaque nos relatórios da ONU, há servidores comprometidos com uma causa que transcende governos e fronteiras, promovendo a defesa da vida!

Segundo o mais recente Relatório Anual de Tendências Globais do Acnur, ao final de abril de 2025, havia 122,1 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo, um aumento em relação aos 120 milhões registrados no mesmo período do ano anterior. Trata-se de cerca de dez anos consecutivos de crescimento anual desse contingente, impulsionado principalmente por conflitos armados e a persistente incapacidade de cessar os combates.

O relatório também desmonta a ideia equivocada de que os grandes fluxos migratórios recaem sobre países ricos: 67% das pessoas refugiadas permanecem em países vizinhos e 73% estão acolhidas por nações de baixa e média renda. Nesse contexto, o Brasil, com reconhecimento da própria ONU, tem se afirmado como uma liderança regional nos processos de acolhimento, proteção e integração, reforçando não apenas o seu compromisso humanitário, mas também a relevância estratégica do funcionalismo público que sustenta essa resposta solidária que estamos dando ao mundo.


*Artur Marques é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).

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