
A Arte-Final é a Vida: Reflexões Inspiradas em Luis Fernando Veríssimo
Veríssimo se foi e eu fiquei
triste. Coleciono livros dele. Alguns eu ganhei de amigos que conheciam meu
apreço por sua obra. Ele nos presenteou com frases que são caixas de
ressonância: se abrimos uma, encontramos humor, mistério, leveza, melancolia
- tudo ao mesmo tempo. Ele fala da vida
e das relações com leveza e profundo entendimento da alma humana. Cada frase é
um espelho que nos observa, nos confronta e nos conforta.
Decidi citar aqui algumas frases
e refletir sobre elas. Ele se foi, mas sua obra continuará ressoando e eu
espero que seja por séculos.
“Para os erros, há perdão… Para
os fracassos, chance. Para os amores impossíveis, tempo. Não deixe que a
saudade sufoque, que a rotina acomode, e que o medo impeça de tentar!” Essa
frase é quase um manifesto de ousadia e compaixão consigo mesmo. Um lembrete de
que falhar não é condenar-se, mas um recomeçar possível; que o amor pode ser
renegociado com tempo; que o medo, a saudade e o tédio precisam ser enfrentados
e não acolhidos como sentença.
“A multiplicidade humana é isso.
A tragédia é essa. Dois nunca são só dois, são dezessete de cada lado. E quando
você pensa que conhece todos, aparece o décimo oitavo.” Uma constatação
bem-humorada e dolorosamente verdadeira da complexidade que cada pessoa
carrega. Em qualquer relação - amorosa, de amizade, social - estamos perante um
caleidoscópio interno. E o outro, mesmo íntimo, pode nos surpreender sempre. É
um convite à paciência, à curiosidade infinita.
“Ninguém é o que pensa que é,
muito menos o que diz que é. Precisamos da complicação para nos definir. Ou
seja: ninguém é nada sozinho, somos o nosso comportamento com o outro.” Essa
frase profunda nos mostra que a identidade é relacional. Nossa essência se
constrói na troca, na convivência, na resposta do outro. Sozinhos, somos um
conceito fragmentado; com o outro, ganhamos contorno, história, tecido humano.
“A verdade é que a gente não faz
filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final.” Há humor e poesia
nessa visão da paternidade/maternidade. Os pais preparam o caminho, planejam, estruturam,
orientam, mas o ser humano se faz e se expressa sozinho. É um olhar para a
singularidade, para o mistério de cada trajetória individual.
“Vivemos cercados pelas nossas
alternativas, pelo que podíamos ter sido.” Quantas vezes nos pegamos pensando
“e se…?” olhando para a vida não pelo
que é, mas pelo que não aconteceu. Essa frase lembra que o passado e suas
alternativas nos rondam, mas não devem nos definir. Devemos acolher o que somos
mesmo carregando memórias do que deixamos de ser.
“Quando a gente acha que tem
todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.” Tão sábia quanto
engraçada, essa frase nos lembra que a vida é fluida e que nossa rigidez
compreensiva pode nos trair. O que funciona hoje pode não servir amanhã; a
humildade se revela ao aceitar que as perguntas se transformam, mesmo quando
pensamos ter entendido tudo.
“Resignemo-nos à ignorância, que
é a forma mais cômoda de sabedoria.” Existe uma beleza amarga nessa frase:
admitir que muitas vezes preferimos não saber porque saber exige trabalho,
responsabilidade, enfrentamento. A sabedoria nem sempre é acolhedora; a
ignorância nos poupa. Reconhecer isso nos torna mais conscientes de nossas
escolhas intelectuais e emocionais.
“A principal matéria-prima para a
crônica são as relações humanas. O modo como as pessoas se amam, se enganam, se
aproximam ou se afastam num ambiente social definido. Ou qualquer outra coisa.”
Aqui o olhar de escritor encontra as relações como matéria-prima literária e
vital. Veríssimo enxerga o universo na trama dos encontros, desencontros,
afetos e distâncias. A vida pulsa nas relações
e nossa atenção precisa estar ali.
“Mas eu desconfio que a única
pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do
ridículo.” A liberdade, aqui, é vivida como desapego do olhar alheio. Quem não
teme o ridículo está liberto das amarras da opinião pública e encontra espaço
para ser autêntico. Essa frase inspira coragem, ousadia e leveza para viver sem
o fardo da vergonha.
Se existe uma arte difícil é a da simplicidade com profundidade. Veríssimo, com sua ironia gentil e sua observação precisa, regia uma orquestra bem humorada de afetos e pensamentos dentro de nós. Ao refletir sobre suas palavras, somos convidados a olhar com mais atenção para o que sentimos, para como amamos, para como nos transformamos e sobretudo, para como podemos e devemos seguir tentando.
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