 
                A declaração de Lula sobre a Caixa Bet e o esquecimento seletivo
*Felipe Crisafulli
O presidente Lula, segundo se noticiou recentemente, mostrou-se contrariado com o anúncio da Caixa de que dará início à sua operação de apostas de quota fixa. Essa sinalização negativa do Palácio do Planalto em relação à Caixa Bet está em consonância com o discurso crítico que recentemente vem sendo adotado pelo Governo Federal. Entretanto, configura comportamento absolutamente contraditório por parte do Poder Executivo.
Foi o Governo de turno quem regulamentou a matéria, após quatro anos de absoluta inércia de seu antecessor. Mais que isso: o autor do Projeto de Lei nº 3626/2023, que culminou na Lei nº 14.790/2023, a chamada "Lei das Bets", foi o próprio Executivo Federal, no primeiro ano da atual gestão Lula, com tramitação em regime de urgência.
Nesse contexto, o caso da Caixa merece destaque. A empresa opera loterias no País há mais de meio século; a legislação prevê as apostas de quota fixa como modalidade lotérica; a Caixa, com todo o seu know-how e expertise, manifestou interesse de atuar nesse segmento em 2023, apresentou o seu pedido para ser agente operador de apostas em 2024 e restou devidamente autorizada em 2025. A partir daí, diversos contratos foram celebrados, obrigações contraídas e expectativas geradas quanto ao início das operações.
Às vésperas de a Caixa Bet enfim entrar em ação, o Presidente da República, entretanto, numa atitude inesperada, avaliou a situação e reputou absurdo a empresa operar apostas e jogos on-line? Terá Lula, (i) que nunca havia se manifestado publicamente acerca do tema, se esquecido (seletivamente?) de tudo acima explicitado, bem como que foi o seu Governo que (ii) instituiu a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) para regulamentar a matéria e conceder a autorização aos interessados, (iii) alocando-a como órgão integrante do Ministério da Fazenda, (iv) cujo chefe é Fernando Haddad, braço direito de Lula?
Além disso, para se opor às bets, terá o Presidente se olvidado de que o seu Governo (v) recebeu mais de R$ 2 bilhões – muito bem-vindos, diante do atual cenário das contas públicas – pelas outorgas das autorizações e (vi) aufere, mensalmente, centenas de milhões de reais – equivalente a setores tradicionais da economia, como a agropecuária – a título de tributos e outras arrecadações com as empresa desse setor?
Tem Lula ciência de que (vii) coube à SPA analisar a documentação e o histórico da Caixa e de seu corpo diretivo, (viii) havendo consentido que a empresa seja agente operador de apostas, porquanto respeitados todos os requisitos criados pelo próprio Executivo Federal, em sua regulamentação?
Em resumo, estamos diante de um caso que Freud explica ou, na realidade, perante Shakespeare: há mais coisas, aqui, do que pode imaginar a nossa vã filosofia? Ainda: será a repulsa seletiva? Por que atacar apenas as bets, e em particular a Caixa Bet? As demais loterias que a empresa comercializa, como ficam? Não levantam a indignação do Presidente? As apostas em si, pelo visto, trazem – ou melhor, passaram a trazer – calafrios ao Governo; mas ao dinheiro que elas proporcionam ao erário, inclusive como forma de bancar as contas estatais, aí já se pode fazer vista grossa... Será essa a moral da história?
A preocupação com o jogo responsável, o não endividamento e a ludopatia são pertinentes e relevantes; se é isso que Lula tem em mente, não se lhe retira um "A" de sua boca. Com efeito, nada melhor do que uma empresa como a Caixa, seja pela sua importância e capilaridade no País, seja pela representatividade que a marca tem junto ao povo brasileiro, para encampar esse tipo de programas socioeducacionais. Em outras palavras, a Caixa operar aposta de quota fixa auxilia – sem dúvida – na consolidação do mercado regulado e divulgação dos aspectos educativos e de conscientização dos apostadores a este relacionados, essenciais ao mais pleno e adequado desenvolvimento da atividade.
Nesse contexto, o Executivo Federal poderia lançar mão da Caixa como pilar de fortalecimento do setor e garantidor de um ambiente ético de apostas e jogos on-line: a empresa, diante de seu histórico como entidade exploradora de loterias em nome da União, teria plena capacidade de propagar, com assertividade, tudo que o Governo fez constar – de maneira acertada e digna de aplauso, anote-se – da regulamentação das bets. Em simultâneo, a União auferiria mais dinheiro – não apenas de forma indireta, enquanto controladora única da Caixa, mas também diretamente, a partir dos tributos e demais arrecadações previstas em lei –, o qual poderia reverter em favor da sociedade.
Posições como a que Lula terá defendido nos bastidores da política nacional, portanto, flertam com a irresponsabilidade. A possibilidade de se causarem prejuízos financeiros à Caixa há de ser devidamente considerada. Afinal, nessa condição de controladora da empresa, a União tem diversas obrigações legais a serem cumpridas, tais quais "não divulgar informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da empresa pública e em suas relações com mercado ou com consumidores e fornecedores" (art. 14, inciso I, da Lei nº 13.303/2016).
Decisões apressadas ou tomadas por motivos político-ideológico-eleitorais e sem respaldo técnico-jurídico-científico podem levar à quebra de legítimas expectativas, descumprimento de obrigações e rescisão de contratos já assinados, impactando diretamente nas contas da empresa pública – logo, em última análise, no bolso do contribuinte.
Em síntese, o cenário pátrio seria seguramente capaz de deixar incrédulo um dos maiores nomes da literatura alemã de todos os tempos. Diferentemente do que Goethe propugnava, no Brasil não é a arte que vai além da mera reprodução ou interpretação realística das coisas. Em nosso País, é a própria realidade quem se encarrega de trazer novas perspectivas e emoções que transcendem a literalidade.
Com efeito, talvez nem mesmo a arte seria capaz de imitar a realidade em terras tupiniquins tão bem quanto... a própria realidade já o faz! Daí, antes de o Governo cuidar da saúde mental dos apostadores, dever cuidar de definir o que realmente deseja: bets sim ou bets não? Alea jacta est!
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