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Desvendando os bastidores: advogado comenta sobre a reviravolta na Lava Jato

Em uma entrevista exclusiva, o renomado criminalista Philip Antonioli, sócio-fundador esclareceu a desconstrução da Operação Lava Jato e suas implicações legais. Antonioli destacou a importância das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que questionaram a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro, consideradas cruciais para o desenrolar dos eventos.

 

Uma das decisões-chave mencionadas por Antonioli foi o reconhecimento, pelo STF, da parcialidade de Moro, o que abriu caminho para a revisão de acordos de leniência e anulação de ações penais. Isso teve um impacto significativo nos processos em andamento da Lava Jato, desencadeando uma reação em cadeia que questionou a validade das provas obtidas sob a gestão de Moro. Philip Antonioli é criminalista, formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é sócio-fundador do Campos & Antonioli Advogados Associados, escritório especializado em Direito Penal Econômico.

 

Confira:

 

Que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) foram decisivas para descontruir a Operação lava Jato? Foram decisões acertadas ou equivocadas?

A decisão crucial para chegarmos a esse estado de coisas foi o reconhecimento, pelo STF, da parcialidade do então juiz Sérgio Moro. Proferida pelo ministro Gilmar Mendes em junho de 2021, a decisão também abriu a possibilidade de revisão dos acordos de leniência e anulação de ações penais, como a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em decorrência desse entendimento no âmbito de dois habeas corpus, no chamados “caso do sítio de Atibaia” e “caso imóveis do Instituto Lula”, o Judiciário considerou nulas as provas obtidas no acordo de leniência firmado pela Odebrecht – atualmente Novonor. Então, houve uma reação em cadeia, o que com certeza foi decisivo para a desconstrução da Lava Jato. Quanto ao mérito, decisões judiciais se cumprem. A mesma lei que determina sanções permite aos réus recorrer das decisões sempre que se sentirem lesados.

 

Existe algum critério específico para determinar quais acordos serão afetados pela nulidade?

Em tese, todos os acordos podem ser considerados nulos e, portanto, revistos. É preciso entender que as condutas passíveis de enquadramento como crime, portanto na seara penal, também têm desdobramentos para punições nas searas civil e administrativa. No caso dos acordos de leniência, estamos na esfera cível. Se os acordos usaram de provas obtidas no curso de investigação e/ou processo conduzido pelo então juiz Sérgio Moro, são passíveis de revisão. Junte-se a isso os acordos de leniência firmados com base em provas reunidas no curso das delações feitas por empresários e executivos ligados à Odebrecht. Como esses termos também foram anulados, tornaram-se igualmente nulos os processos instruídos com as provas carreadas aos autos por meio dessas delações.

 

Como a nulidade das provas do acordo de leniência da Odebrecht impactará os processos da Lava Jato ainda em andamento?

Cada caso será analisado individualmente, pelos ministros do STF, dentro das especificidades de cada um deles. Há princípios gerais, a começar da possibilidade de revisão dos acordos que foi estabelecida em decisão do ministro do STF André Mendonça, no último mês de fevereiro, no âmbito de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelos partidos PSOL e PCB. Agora, o que poderá ou não ser revisto nos acordos, isso vai depender de uma análise individualizada dos processos.

 

Empresas e pessoas que já foram condenadas com base em provas que faziam parte do acordo de leniência da Odebrecht podem ter seus processos revisados?

Sim. Em tese, executivos e empresários cujas condenações tiveram como base provas colhidas nas ações penais relacionadas à Odebrecht podem ter suas sanções revistas. Mas necessariamente os interessados têm que pedir essa revisão à Justiça. O ato jurídico praticado, que é o acordo de leniência, em tese estaria prejudicado. Isso em decorrência tanto do entendimento da parcialidade do então juiz Sérgio Moro, que redundou na ilegalidade das provas obtidas, como da possibilidade de revisão dos acordos aberta pelo Supremo.

 

Quais são os prováveis desdobramentos da nulidade das provas do acordo de leniência da Odebrecht para a Lava Jato?

As provas que havia, decorrentes da leniência da Odebrecht, foram anuladas. A leniência, em sua grande parte dela, foi obtida em ação penal conduzida pelo juiz Sérgio Moro. As provas reunidas na persecução penal de agentes e também na leniência da Odebrecht têm a mesma origem, ou seja, o processo penal conduzido pelo então juiz Sérgio Moro. Diante das delações, foi descoberto o que seria a verdade e, a partir desse conteúdo, tivemos a persecução penal e diversos acordos de leniência. Então, quando os executivos delataram na ação penal, as empresas buscaram a leniência. Declarada a parcialidade do magistrado, a origem de todas essas provas foi considerada viciada, imprestável – da mesma forma que todos os seus desdobramentos.

 

É necessário revisar a legislação brasileira sobre os acordos de leniência?

Esse tipo de discussão sempre surge quando temos questionados os resultados de uma operação. Ainda mais em se tratando da Operação Lava Jato, que sem dúvida foi a maior, mais relevante e de maior repercussão da história do nosso país até os dias de hoje. Eu diria que as leis devem sempre ser revistas, para que possam ter sua eficiência avaliada e serem aperfeiçoadas. Aqui, porém, o que está em questão não é a lei propriamente. Ao contrário: foi o não cumprimento da lei que desaguou na parcialidade de um magistrado. Agora, é preciso, sim, rever a responsabilização da pessoa jurídica. A empresa é uma ficção jurídica. Na medida em que você penaliza a empresa, impõe sanções, restringe sua atuação, você traz um dano incomensurável para a sociedade. Você prejudica os trabalhadores, a sociedade e o erário, porque reduz a arrecadação e, consequentemente, a capacidade de investimento do Estado em saúde, educação e também no seu poder de polícia. Não faz sentido gerar um baque das proporções que a Lava Jato produziu sobre o segmento de infraestrutura e construção. A Odebrecht, que tinha um faturamento anual de R$ 100 bilhões, foi levada à recuperação judicial. Quando uma empresa desse porte pega uma gripe, os fornecedores dela pegam uma pneumonia ou morrem.

 

 

Como garantir que operações como a Lava Jato continuem a ser um instrumento eficaz no combate à corrupção?

Basta cumprir o que está previsto na lei. Se não tivesse havido o contexto revelado pela Operação Spoofing, conduzida pela Polícia Federal, com essa ligação indevida entre o juízo e a procuradoria na Lava Jato, a operação não teria sido anulada. Em setembro de 2023, o ministro Dias Toffoli atendeu a pedido ajuizado por meio de uma Reclamação e declarou: “(..) as causas que levaram à imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do Acordo de Leniência 5020175-34.2017.4.04.7000 celebrado pela Odebrecht são objetivas (...) deve-se, urgentemente, apurar a conduta dos agentes públicos envolvidos nesta operação, que ocorreu sem a necessária concorrência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (na condição de Autoridade Central brasileira) e da Advocacia Geral da União (na condição de representante da União)”. Então, o problema central nesta discussão é que não houve respeito à legislação. Passou-se a defender a ideia, absurda, de que os fins justificam os meios. 

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