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"Família e escola precisam se alinhar para apoiar a criança autista"

Na próxima terça-feira (1º), começa o Abril Azul - período dedicado à conscientização sobre o autismo. Essa campanha tem como objetivo promover a inclusão social e o respeito às pessoas com autismo e suas famílias, além de ampliar a disseminação de informações sobre a condição. O tema desse ano é “Informação gera empatia, empatia gera respeito”.

 

Nesta entrevista exclusiva para a Gazeta, Dr. Richard Munhoz e Sarah Alves Munhoz colocam questões acerca do Tea, inclusive a reflexão sobre a forma como o crescente diagnóstico de autismo na contemporaneidade exige uma revisão crítica das abordagens tradicionais, como a psicanálise, ao mesmo tempo em que reforça a importância do diálogo entre diferentes áreas do conhecimento para promover um cuidado mais inclusivo e respeitoso com as pessoas diagnosticadas.

 

Dr. Richard Munhoz é psicanalista Clínico e Infantil, especialista em Análise e Interpretação do Desenho, psicopedagogo, neuropsicopedagogo, mestre e doutor em Ciências Médicas.  Sarah Alves Munhoz é psicanalista Clínica e Infantil, especialista em Análise e Interpretação do Desenho, especialista em Neuropsicologia, transtornos depressivos e ansiosos e PNL. São autores do livro “Análise e Interpretação dos Desenhos – Utilização dos testes projetivos nas clínicas psicanalítica e psicopedagógica” (Wak Editora).

 

Confira:

 

O que é o autismo para a psicanálise?

Na visão psicanalítica, o autismo é entendido como uma condição que se manifesta, principalmente, como uma dificuldade no estabelecimento de vínculos afetivos e na comunicação com o mundo externo. Sigmund Freud e outros psicanalistas perceberam o autismo como um distúrbio relacionado a um fechamento do indivíduo em seu próprio mundo psíquico, como uma defesa contra ansiedades emocionais intensas e difíceis de lidar. Esse isolamento seria uma tentativa de proteger a criança de experiências emocionais que ela não consegue processar ou integrar. A psicanálise também aponta que o autismo pode ser resultado de falhas precoces nas relações de objeto, ou seja, na relação inicial entre a criança e suas figuras parentais ou cuidadores. A teoria sugere que, quando essa relação não se estabelece de forma saudável, a criança pode se voltar para dentro de si mesma, como uma forma de evitar o sofrimento causado pela ausência de uma troca emocional satisfatória. No entanto, essa abordagem psicanalítica tem sido amplamente criticada, e muitas outras teorias, como as neurobiológicas e comportamentais, oferecem explicações alternativas para o autismo.

 

Quais os principais sintomas e a partir de qual idade podemos observar comportamentos autísticos no paciente?

Os principais sintomas do autismo incluem dificuldades na comunicação verbal e não verbal, comportamento repetitivo e restrito, e desafios em interações sociais. Crianças com autismo podem ter dificuldade em estabelecer e manter relações, mostrar interesse limitado em atividades sociais, como brincar com outras crianças, e apresentar respostas emocionais atípicas. Além disso, podem desenvolver comportamentos repetitivos, como movimentos estereotipados (por exemplo, balançar o corpo ou bater as mãos) e resistência a mudanças na rotina. O autismo também pode se manifestar com hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais, como sons ou texturas. Os sinais de autismo podem ser observados geralmente antes dos 3 anos de idade, embora o diagnóstico definitivo seja frequentemente feito entre 2 e 4 anos. Nos primeiros meses de vida, algumas crianças podem apresentar atrasos no desenvolvimento da fala, nos contatos visuais e na resposta a interações sociais. À medida que a criança cresce, as dificuldades na comunicação e no comportamento social tornam-se mais evidentes, o que permite uma identificação mais clara do transtorno.

 

Quais são as dificuldades que os pais encontram quando se deparam com a educação de um filho autista?

Os pais de crianças autistas enfrentam diversas dificuldades ao lidar com a educação e o cuidado dos filhos. Uma das principais dificuldades é a adaptação às necessidades especiais da criança, como a comunicação limitada, a resistência a mudanças e os comportamentos repetitivos. Isso pode tornar o processo de socialização e aprendizado mais desafiador, além de exigir maior paciência e estratégias específicas para cada criança. Muitas vezes, os pais também precisam lidar com a frustração de não conseguirem compreender ou atender às necessidades emocionais e comportamentais da criança, o que pode gerar estresse e insegurança. Além disso, os pais frequentemente enfrentam o desafio de buscar apoio adequado, como terapias e recursos educacionais especializados, que podem ser caros e difíceis de acessar. Em muitos casos, o sistema educacional tradicional não está preparado para oferecer uma abordagem personalizada para crianças autistas, o que leva os pais a lutar por uma educação inclusiva ou adaptada às necessidades do filho. A preocupação com o futuro do filho, o impacto nas relações familiares e a falta de compreensão da sociedade em relação ao autismo também são questões que podem gerar sentimentos de isolamento e dificuldades emocionais para os pais.

 

Quais a expectativas que os pais e professores podem ter em relação ao desenvolvimento do autista?

À luz da psicanálise, as expectativas de pais e professores em relação ao desenvolvimento de um sujeito autista devem ser cuidadosamente ajustadas, levando em consideração o contexto psíquico específico da criança. Freud (1924,Introdução ao Narcisismo) e seus seguidores sugerem que a criança autista, ao se fechar em seu mundo interno, busca uma forma de defesa contra um sofrimento emocional precoce, que pode ter relação com falhas no estabelecimento da primeira relação de objeto. Nesse sentido, tanto os pais quanto os professores devem ter expectativas que respeitem o tempo do sujeito, evitando pressões excessivas para uma normalização ou socialização imediata. A psicanálise enfatiza a importância de criar um ambiente seguro, onde a criança se sinta protegida e gradualmente possa expandir suas habilidades de comunicação e de interação com os outros. Como resultado, as expectativas devem ser direcionadas para um progresso gradual, mais focado em facilitar o acesso ao mundo emocional e social, do que em mudanças comportamentais imediatas. Segundo Donald Winnicott (1958, O Ambiente e os Processos de Maturação),um psicanalista importante no estudo das relações precoces, a criação de um ambiente suficientemente bom é crucial para o desenvolvimento da criança, incluindo a criança autista. Nesse contexto, pais e professores precisam ter expectativas realistas sobre o tempo e a forma como a criança irá se desenvolver, respeitando sua singularidade. Eles devem ser capazes de fornecer o suporte necessário, enquanto compreendem que a criança pode não se desenvolver de maneira linear ou convencional. A intervenção psicanalítica, ao trabalhar com esses sujeitos, visa facilitar a expressão de emoções e significados que, muitas vezes, ficam encapsulados, ajudando na construção de uma ponte simbólica entre o autista e o mundo externo. Portanto, é fundamental que pais e professores, compreendam que as expectativas em relação ao desenvolvimento de uma criança autista não devem se basear em uma comparação com crianças neurotípicas. Ao invés disso, elas precisam focar em facilitar um espaço de desenvolvimento emocional que seja respeitoso e acolhedor. De acordo com o conceito de "relacionamento de objeto" da psicanálise, o progresso do autista está ligado à sua capacidade de estabelecer vínculos afetivos e elaborar as experiências, mesmo que de forma singular e não convencional. Assim, é necessário que pais e educadores adotem uma abordagem paciente e empática, que reconheça o sujeito autista como alguém com um potencial único de desenvolvimento, dentro dos limites e condições que ele possa atingir no seu próprio tempo (Meltzer, 1994, O Autismo: Teoria e Técnica Psicanalítica).

 

Nos últimos anos, o diagnóstico de TEA tem se tornado cada vez mais comum em diversos contextos. A que isso pode ser atribuído?

Pode ser atribuído, em parte, ao maior conhecimento científico sobre o transtorno, à evolução dos critérios diagnósticos e ao maior acesso a serviços especializados. Porém, esse crescimento também provoca reflexões acerca das influências culturais e das mudanças nos parâmetros de saúde mental. A psicanálise, enquanto uma das abordagens teóricas mais tradicionais no campo da psicologia, oferece uma perspectiva única sobre o autismo, que não deve ser desconsiderada nas discussões contemporâneas.

 

Qual a importância da relação família x escola ao sujeito com o espectro autístico?

A relação entre a família e a escola é de extrema importância no desenvolvimento de sujeitos com o espectro autístico, pois ambas as instituições desempenham papéis cruciais na construção da subjetividade da criança. Segundo Donald Winnicott (1958, O Ambiente e os Processos de Maturação), a "função materna" e o conceito de "ambiente suficientemente bom" são fundamentais para a integração emocional da criança com o mundo externo. No caso do autismo, o ambiente familiar e escolar deve ser especialmente cuidadoso e acolhedor, oferecendo segurança e consistência, o que favorece a confiança do sujeito na relação com os outros. A família, ao ser o primeiro espaço de socialização, deve estar em sintonia com a escola para garantir que o processo de comunicação e a troca emocional com a criança autista aconteçam de maneira fluida e respeitosa, ajudando a criança a se engajar no processo de aprender e se expressar. Além disso, a psicanálise destaca a importância de um trabalho conjunto entre família e escola, pois essas duas esferas devem se alinhar em relação ao entendimento das necessidades e dificuldades da criança autista. Quando há uma comunicação aberta e colaborativa, isso facilita a criação de estratégias adequadas para o desenvolvimento emocional e cognitivo do sujeito. A troca constante de informações entre os pais e os educadores possibilita uma compreensão mais profunda do mundo interno da criança, o que é essencial para que tanto o ambiente familiar quanto o escolar possam oferecer as intervenções adequadas. A integração entre essas duas esferas, quando bem estruturada, promove um espaço mais harmônico e efetivo para o desenvolvimento da criança com autismo, respeitando seu ritmo e suas particularidades(Meltzer, 1994, O Autismo: Teoria e Técnica Psicanalítica).

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