Projeto de lei sobre gatekeepers pode mudar regras para big techs no Brasil
O governo federal submeteu em consulta pública, no primeiro semestre de 2024, a minuta de projeto de lei que pretende regular a atuação das grandes plataformas digitais – os chamados gatekeepers – no Brasil. A consulta esteve aberta a qualquer interessado e recebeu mais de 300 contribuições. Após essa etapa, o texto foi consolidado e enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, onde começará a tramitar como projeto de lei.
Segundo Nathalie Frias, sócia da área concorrencial do escritório Almeida Prado e Hoffmann Advogados, gatekeeper é o termo utilizado para designar plataformas digitais que atuam como verdadeiros guardiões de um mercado, controlando o acesso de terceiros a dados, usuários e recursos essenciais. “Exemplos típicos incluem empresas como Google, Amazon, Apple, Meta e Microsoft”, explica.
Na prática, a minuta busca oferecer mais transparência para consumidores e condições de competição mais justas para empresas menores. Bernardo Quezado Rodrigues Silva, também da área concorrencial do escritório, esclarece que os usuários terão maior clareza sobre critérios de ranqueamento, exibição de produtos e condições de uso de dados. “Isso significa entender por que um item aparece primeiro em uma busca, além de reduzir a dependência de um único ecossistema digital”, afirma.
Outro ponto central é a interoperabilidade entre plataformas e a portabilidade de dados. Frias resume que a portabilidade permite ao usuário levar suas informações de uma plataforma para outra sem perda, enquanto a interoperabilidade possibilita a comunicação entre diferentes serviços, como enviar uma mensagem do WhatsApp para o Telegram, oferecendo mais liberdade de escolha.
O projeto também lista práticas que poderão ser consideradas ilegais, como o favorecimento de produtos próprios em detrimento de concorrentes, o bloqueio de acesso a determinados serviços ou a vinculação de compras a outros produtos. “Embora tais condutas já sejam reprovadas pela Lei de Defesa da Concorrência, o projeto traz uma abordagem mais direcionada ao ambiente digital”, observa Rodrigues Silva.
Uma das principais inovações é a criação da Superintendência de Mercados Digitais no Cade, que deverá concentrar conhecimento especializado, acompanhar de perto os ecossistemas digitais e dialogar com autoridades internacionais. “A autarquia continuará investigando infrações à ordem econômica, mas agora contará com uma área dedicada ao tema”, aponta Frias.
Poderão ser enquadradas como gatekeepers empresas com faturamento global acima de R$ 50 bilhões ou receita no Brasil acima de R$ 5 bilhões. “Devem constar nesse rol gigantes como Google, Amazon, Apple, ByteDance, Meta e Microsoft. No entanto, companhias como iFood, Mercado Livre e Uber também podem ser incluídas, a depender da análise do Cade”, afirma Rodrigues Silva.
O Ministério da Fazenda estima que, em um primeiro momento, no máximo dez empresas sejam impactadas, mas Frias pondera que esse número é apenas indicativo: “A exemplo da União Europeia, que reconheceu sete gatekeepers, o Brasil deve ter um número limitado, mas nada impede que mais companhias sejam incluídas no futuro”.
Para Rodrigues Silva, há clara inspiração na regulação europeia. “O projeto brasileiro dialoga diretamente com o Digital Markets Act (DMA), adotado na União Europeia. As obrigações de transparência, portabilidade e interoperabilidade seguem a mesma lógica, embora adaptadas à realidade nacional”, conclui.
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