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De Domingo a Domingo: documentário revive a tragédia do Mercadão

O documentário "De Domingo a Domingo", dirigido pela cineasta Soraia Costa, traz à tona a comovente trajetória de Edson Renel, conhecido como “Amizade” no tradicional Mercadão de Limeira. Durante 47 anos, Edson dedicou sua vida à loja Renel Modas, abrindo as portas do estabelecimento diariamente, sem folgas, para garantir o sustento de sua família.

 

O documentário estreia hoje, às 19h30, no Palacete Levy, com uma sessão especial seguida de debate com o público. A reexibição acontece no dia 21 de dezembro, às 19h30, no espaço Mabê Cultural. A obra, com tom poético e documental, expõe não apenas o drama pessoal de Edson, mas também as marcas deixadas pelo incêndio em toda a comunidade do Mercadão.

 

No domingo de Páscoa de 2020, o Mercado Modelo da cidade de Limeira pegou fogo. Por conta do isolamento social, a chegada dos bombeiros foi lenta, e em apenas três horas de incêndio, a loja de Edson, uma das mais antigas instaladas no Mercadão há 47 anos, virou pó.

 Na época, a diretora do filme estava em São Paulo, epicentro do coronavírus no Brasil, e, por conta da quarentena, não estava com seus pais. “Peço pro meu irmão que faça vídeos deles, do meu pai e minha mãe, e ele se nega, pra que eu 'não faça um filme disso'”, conta a cineasta. O documentário nasceu do ruído que essa negativa causou. “Não podemos nos filmar nos momentos ruins também? Uma família só deveria registrar seus momentos felizes?”

 Enquanto a loja queimava, Soraia acompanhava as imagens pela internet, em matérias de jornais e posts em redes sociais, e encontrou seus pais, aglomerados em plena pandemia. “Meu luto pela loja dá lugar ao desespero de ver meu pai, aos 71 anos, e minha mãe, com 62, andando pelas ruas ao redor do Mercadão, sem máscara, sem cuidados, e temo pela exposição ao Covid-19 que se submeteram.”


Na curadoria das imagens, há uma metalinguagem no filme. Na impossibilidade de estar presente, seus olhos veem a tragédia pelo ponto de vista de outros: comerciantes, lojistas, funcionários, jornalistas, que fizeram seus registros. Como, por exemplo, uma última filmagem da câmera de segurança da loja vizinha, que gravou os derradeiros momentos de seus pais fechando a loja: “Meu pai, que trabalhava de domingo a domingo, sem férias, não ia deixar de faturar em um feriado... Trinta minutos antes do incêndio, a câmera de segurança da loja vizinha filma os dois saindo do Mercadão. Por causa de R$300 deixados dentro de uma lata, debaixo do balcão, meu pai continuou indo aos destroços nos dias seguintes, até encontrar seu dinheiro”, relata.

Sem a obrigação de abrir a loja, Edson finalmente se encontra livre. Porém, por trabalhar décadas sem folga, o comerciante não nutriu em sua vida nenhuma outra atividade que preenchesse de prazer agora, seu tempo de aposentadoria. Abalado pela tragédia e agora em casa, a doença de Parkinson avança e o deixa cada vez mais dependente de cuidados, próximo a um inexorável fim.

As duas histórias, contadas ao mesmo tempo no roteiro — a da construção do Mercadão até seu trágico término, e a do pai de Soraia, que dedicou a vida ao trabalho e agora caminha para suas últimas cenas — fazem uma poética metáfora à efemeridade das coisas e da vida, trazendo luz à beleza da existência humana e dos lugares onde escrevemos nossas memórias e deixamos o nosso legado.

Soraia Costa, hoje com 42 anos, estudou no Chapéuzinho Vermelho e depois na Escola Estadual Brasil. “Eu vivi minha vida no mercado. Quem diria que aquele lugar, sempre lavado por enchentes, terminaria um dia destruído pelo fogo! Meu pai jamais deixaria o Mercadão, então foi o Mercadão que deixou meu pai!”, relata.

 

Ano passado, Soraia Costa ganhou o Troféu Fumagalli 2023 por seu trabalho no teatro e na fotografia, além de ser uma representante da cultura de Limeira no Brasil e no mundo. Ela foi indicada ao 33° Prêmio Shell de melhor dramaturgia pelo seu espetáculo “Sete cortes até você” — que também está em vias de se tornar um documentário contemplado pela SPcine — e está iniciando outro projeto audiovisual, o curta “Karma Love”, de forma independente.

“Estou fazendo três filmes ao mesmo tempo, é uma loucura porque as histórias acabam se cruzando. Acabei chamando a trilogia de 'Santíssima Trindade' porque é um filme sobre meu pai, outro sobre meu filho e 'Karma Love' sobre um espírito livre, porém nada santo”, brinca a cineasta, que estará hoje na estreia no Palacete Levy para um debate sobre “De domingo a domingo” com o público.

O projeto é contemplado pela Lei Paulo Gustavo através do Ministério da Cultura do Governo Federal e da Secretaria de Cultura de Limeira. A cineasta também realizou pesquisas no arquivo impresso da Gazeta de Limeira, que tem um rico acervo histórico desde 1931.

 

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