Foto de capa da notícia

“Funcionário deve ser definido pela individualidade e não por um diagnóstico”

Rodolpho Molina fala que a neurodiversidade, que inclui espectro autista, déficit de atenção, dislexia, não são anormalidades e sim diferenças neurológicas

Inclusão no mercado de trabalho é um tema bastante recorrente, principalmente quando se fala sobre autismo. Anos atrás, com pouca informação e preconceito, o pensamento de muitos era que uma pessoa com autismo não tinha capacidade de realizar atividades em uma empresa. Hoje, com mais discussões e leis, a inclusão é realidade. Embora ainda haja muito o que evoluir, o meio corporativo já tem uma realidade diferente.

Rodolpho Agizzio Molina, 24 anos, tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e é um exemplo. Ele fala sobre a neurodiversidade, ou seja, que condições como TEA, Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), dislexia, entre outros, não são anormalidades e sim diferenças neurológicas, que devem ser reconhecidas e respeitadas.

O jovem trabalha na IBM e afirma que os líderes empresariais devem ter em mente que as pessoas neurodivergentes são únicas. “Não há duas pessoas com as mesmas necessidades, nem mesmo duas pessoas com os mesmos talentos. Não existe uma abordagem padrão para apoiar a comunidade como um todo. Cada indivíduo requer um nível diferente de apoio e compreensão. Cada um também contribui com suas próprias habilidades e benefícios únicos para a empresa. Semelhante a qualquer local de trabalho diversificado, cada funcionário [neurodivergente ou não] deve ser caracterizado pela sua própria individualidade, ao invés de um diagnóstico ou grupo com o qual se identifica”, salienta.

UMA CRIANÇA CURIOSA

Rodolpho foi diagnosticado com autismo quando tinha 17 anos. “Enquanto crescia, a neurodiversidade sempre foi presente na minha vida, algo que não fez apenas parte do meu mundo, mas também do mundo da minha família. Além do meu próprio diagnóstico, o meu irmão mais novo, Victor, também cresceu com autismo. Enquanto Victor e eu compartilhamos uma comunhão, ele cresceu muito mais limitado do que eu. Como eu poderia atuar em um nível diferente, pude continuar minha educação até a faculdade, enquanto Victor parou depois do ensino médio”, conta.

Ele ainda diz que sempre foi uma criança curiosa, gostava de estudar e aprender coisas novas. “Acho que foi a curiosidade que me atraiu a continuar meus estudos e estudar TI [Tecnologia da Informação] e programação. A partir daí, encontrei trabalho como programador freelance e, posteriormente, como contratado da IBM por meio da Specialisterne, uma empresa especializada em recrutar pessoas do espectro na área de TI. Por meio de minha função de prestador de serviços, acabei sendo contratado como um IBMista oficial e o resto é história”.

Na empresa, ele desenvolveu diversos projetos e, atualmente, com sua equipe, trabalha em alguns aplicativos para melhorar a forma como a IBM vende suas máquinas e equipamentos. “Fomos encarregados de trabalhar em scripts de teste automatizados para serem executados cada vez que nossa equipe adiciona algo novo aos aplicativos. O projeto ainda está em processo de recebimento de atualizações, mas tem sido bem-sucedido até agora”, comenta.

O jovem não parou de estudar e agora cursa sua segunda faculdade. “Consegui meu primeiro diploma em Jogos Digitais com uma monografia detalhando um design de jogo ‘amigável aos autistas’. O esboço é um guia passo a passo sobre como projetar jogos digitais para pessoas com autismo de baixo funcionamento – algo pessoal que ressoou em mim, o que tornou o projeto muito mais gratificante. A monografia está disponível ao público na biblioteca da Faculdade de Tecnologia de Americana”, diz.

NEURODIVERGENTES

Rodolpho é um exemplo da importância da inclusão, da discussão sobre o tema, da criação de leis, da aceitação e do respeito. Ele afirma: “é hora de lembrar que pessoas neurodivergentes são apenas isso, pessoas. Assim como qualquer outra comunidade, todos nós temos diferentes formas e tamanhos – não somos diferentes de ninguém que você conhece e que tem sua própria singularidade. Embora nossos cérebros funcionem de maneira diferente dos nossos colegas, temos muitas semelhanças – ainda temos objetivos e aspirações, pontos fortes e fracos. E, assim como qualquer outra pessoa com quem você interage, as pessoas devem ser acolhedoras e receptivas à comunidade neurodivergente e compreender o valor daquilo que as diferenciam”.

 

“Falta incentivo e colocação no mercado”

Akiko Moromizato é mãe da Kame, 21 anos, que tem autismo. A autivista, como ela se intitula, luta pela causa em Limeira e fala sobre as dificuldades da inclusão no mercado de trabalho. Ela cita a falta de acesso a clínica escola e terapias evolutivas. “Geralmente, as crianças vão para escolas tradicionais, dentro dos padrões que as leis impõem. Minha filha frequenta o EJA [Educação de Jovens e Adultos]. Ela não tem terapia pela Prefeitura e, se não tivesse condição financeira, ela sai do EJA e vai para onde. Não tem mercado de trabalho. Por isso, brigamos pelas clínicas escolas, que acolheriam os alunos, teriam convênios com empresas para que pudessem ter oportunidade no mercado”, diz.

Ela ressalta que as pessoas com autismo são muito capacitadas, tanto na questão artística, operacional quanto na organizacional e disciplinar. “Mas falta incentivo e colocação no mercado de trabalho. A partir do momento que tivermos políticas inclusivas e conseguir esse projeto, acredito que vamos inclui-los com muita facilidade e vai trazer muita alegria para os lugares onde eles estiverem”.

 

Projetos de lei abrem portas do 
mercado de trabalho para autistas

Dois projetos de lei do deputado estadual Murilo Félix (Podemos) publicados, na semana passada, no Diário Oficial, criam condições para o ingresso de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mercado de trabalho. “A inclusão e a busca por mais autonomia dos autistas precisam sair da teoria, do discurso bonito e ir para a prática”, declara.

O PL 748 autoriza o Poder Executivo a reservar vagas de trabalho em órgãos da administração pública em todo o Estado de São Paulo e o PL 749 assegura o direito do portador de TEA a realização de trabalho compatível com sua aptidão e qualificação nas empresas. “Ambos foram elaborados com base em leis que já tratam tanto da contratação de pessoas com deficiência quanto da definição da doença, ou seja, existe o embasamento legal necessário para que esses projetos de lei específicos para autistas avance”, explica.

A lei federal 12.764 considera o autista, pessoa com deficiência para todos os efeitos legais e a l ei 82.131 já obriga a empresa com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. “Contudo, é necessário garantir espaço específico de trabalho para o portador de TEA, que possui muitas características e habilidades, dentre elas o alto poder de concentração”, justifica.

O deputado lembra que muitas pessoas com TEA possuem formação acadêmica e especialização em diversas áreas. “Essa capacitação intelectual pode trazer muitos benefícios aos autistas e às empresas, além de possibilitar mais integração desses profissionais no mercado e atrair o consumidor que valoriza corporações e marcas inclusivas”, completa.

Por outro lado, Murilo reconhece a necessidade de mais investimentos do poder público para o atendimento dos autistas desde os primeiros anos de vida, proporcionando acolhimento e condições de preparação para as fases seguintes. “Por isso, fiz questão de destinar uma das minhas primeiras emendas para ampliação do serviço público para os autistas”.

Dados recentes da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), divulgados pela Revista Exame, mostram que as pessoas com deficiência que têm emprego formal no Brasil representam apenas 1% dos profissionais contratados em regime CLT, ou seja, são apenas 486 mil entre 46,63 milhões de pessoas com carteira assinada.

Os dois projetos que serão agora submetidos às análises das comissões da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) foram apresentados a partir do pedido feito por uma mãe de um jovem autista que participa do grupo de WhatsApp criado por Murilo.

Comentários

Compartilhe esta notícia

Faça login para participar dos comentários

Fazer Login