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“Não é fácil ocupar cargo de chefia, ainda mais sendo mulher e negra”

A luta das mulheres por reconhecimento é marcada mundialmente no 8 de março. O marco histórico foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975 e mesmo depois de um século, o sexo feminino ainda segue na luta por igualdade de direitos.

Mesmo sendo a maioria da população brasileira (51,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), as mulheres enfrentam um desafio diferente todos os dias. Superam barreiras, muitas vezes, invisíveis e enfrentam cenários desiguais, seja na divisão das tarefas domésticas ou nos ganhos no mercado de trabalho.

E a batalha é uma tripla jornada. Elas trabalham, cuidam da casa, dos filhos e muitas ainda sustentam sozinhas suas famílias, conforme mostrado em pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), 45% dos domicílios brasileiros são comandados por mulheres. Isso em 2018, de lá pra cá, muitas encararam a pandemia trabalhando de casa e cuidando dos filhos em tempo integral. O trabalho aumentou ainda mais já que tiveram que ajudar nas atividades escolares online dos filhos.

Apesar das multitarefas, de liderarem casas e assumirem as contas, as mulheres ainda têm de lidar com a discriminação. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) 90% da população mundial ainda tem algum tipo de preconceito na questão da igualdade de gênero em áreas como política, economia, educação e violência doméstica. O número é ainda maior se forem mulheres e negras.

UMA LUTA EM DOSE DUPLA

Além das barreiras encontradas pelas mulheres em alcançar um cargo superior nas empresas, Mary Cristina Teixeira é a primeira mulher negra a ocupar um cargo de coordenadora no 2º Ofício Criminal da Comarca do Fórum de Limeira. “Não é fácil ser mulher e ocupar um cargo de chefia e é ainda mais difícil ser mulher e negra num cargo de coordenação. As outras pessoas nunca te enxergam, mesmo sentando na mesa de posição estratégica e que já foi ocupada por outras mulheres antes. Elas ficam em dúvida, é um racismo discreto, mas é um tipo de discriminação”, disse.

O cargo de escrevente foi seu segundo emprego. Aos 20 anos, Mary passou no concurso do Fórum, em 5º lugar, logo após se formar no Ensino Médio e de ter passado em um concurso na área da Saúde. “Queria trabalhar para custear minha faculdade. Se hoje é difícil imagine naquela época, há 30 anos”, conta. Hoje, ela afirma que 90% dos cargos de chefia nas Varas do Fórum são ocupadas por mulheres. “Isso foi ocorrendo aos poucos, mas quando entrei, a maioria dos chefes eram homens, já que as indicações eram feitas por juízes e existia uma preferência pelo sexo masculino em cargos de nomeação”, afirma.

A coordenadora destaca os desafios em liderar a equipe. “Por trabalhar aqui há muitos anos e conquistar aos poucos o meu espaço, os funcionários mais antigos já me conhecem e minha equipe é excepcional, mas quem vem de fora eu ainda percebo uma certa dificuldade. Antes eu não entendia por que as pessoas tinham tanta dificuldade em me enxergar como chefe, mesmo sentando em uma mesa estratégica e que já foi ocupada por outras mulheres. Conversando com a minha família e lendo profundamente sobre o assunto, percebi que se tratava de um racismo discreto, as pessoas entravam na sala e procuravam a chefe, elas não me enxergavam. Isso gera uma revolta, mas aprendi a lidar e a vencer essas batalhas na vida”, afirma.

No geral, Mary conta que nem sempre o preconceito é masculino. “As mulheres também têm dificuldade de ser chefiadas por outras mulheres. Muitas não concordam que a mulher faça a mesma coisa que o homem e isso é num comportamento geral. Você sendo mulher, não tem como dizer que em algum momento da sua vida não sofreu algum tipo de preconceito de gênero principalmente em certas posições que as pessoas ainda teimam em enxergar como masculina e em cargos de liderança”, disse.

Para a coordenadora, conquistar um cargo de liderança ainda não é visto com normalidade. “Ainda enfrentamos uma barreira da concessão, de alguém ter facilitado essa vaga, por isso temos que enaltecer essas vitórias. E já foi muito pior. Minha filha de 14 anos já enxerga muita coisa com normalidade, mas eu sempre digo à ela que não foi sempre assim. Hoje estamos colhendo frutos de muitas pessoas que brigaram, lutaram, sofreram, choraram e morreram para conquistar”, destaca.

Sobre a tripla jornada, Mary faz uma reflexão. “Não deveríamos incorporar todas essas responsabilidades, mas acabamos exigindo isso de nós mesmas. É a culpa cristã. Trabalhamos, cuidamos da casa, dos filhos, vamos ao mercado, trabalhamos por telefone enquanto organizamos a casa, ajudamos com a lição dos filhos. Damos conta de tudo, mas a que preço? Ficamos mais cansadas, mais irritadas e nos sentimos culpadas de não conseguir conciliar tudo. É um preço que não deveríamos pagar. Que nossa luta por igualdade continue e que não haja tanta cobrança de nós mesmas por nem sempre dar conta de tudo”, afirma.

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