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'Limeira é destaque quando o assunto é a defesa da mulher', diz nova delegada da DDM

Mesmo com a mesa cheia de boletins de ocorrência e inquéritos, que parecem brotar do chão, a nova delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Limeira, Evelyn Kafa Loiola Domiate, arrumou um tempo e conversou com a Gazeta sobre, o que para ela é, o maior desafio da sua vida.

Jovem de 32 anos, a cearense (com muito orgulho) de Sobral cresceu vendo a mãe sustentar a família sozinha, depois da perda precoce do marido em um acidente de trânsito. A intenção quando se formou em direito era trabalhar com previdência, mas enveredou para o direito criminal depois de começar a fazer concursos para delegada de polícia pelo país a fora.

Em janeiro deste ano, aportou em São Paulo. Diz que, mesmo com a grande demanda quer trabalhar para proteger as mulheres limeirenses. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, cerca de 45% dos inquéritos abertos em 2021 na cidade foram na unidade que ela passou a comandar há cerca de 10 dias.

Doutora, na sua apresentação na Delegacia Seccional, a senhora disse que ser delegada da DDM era o maior desafio da sua carreira. Por que?

Porque eu lido todos os dias com vítimas que, por qualquer deslize, podem morrer. Estou lidando com casos muito sérios. São situações que requerem de mim uma atenção muito maior e eu não posso pensar em deixar para analisar as situações que chegam aqui, amanhã, por exemplo. Amanhã, pode ser tarde demais. Isso aqui é uma causa que eu acho importante e que eu abracei.

A senhora ainda disse que sua cidade natal, Sobral, no Ceará, é muito parecida com Limeira. Na questão da violência doméstica, as cidades também são parecidas?

A demanda aqui é maior. Talvez pelo fato de a cidade de Limeira levantar mais a bandeira contra a violência doméstica e de que as pessoas aqui são mais esclarecidas, acerca do assunto. No entanto, a violência doméstica ocorre em todo o Brasil. O Ceará, infelizmente ainda tem aquela conduta mais machista. Coisas que a mulher tem de aguentar para manter o casamento.

Já aconteceu alguns casos em Limeira de a mulher retirar a medida protetiva que ela mesmo pediu ou aceitar a volta do companheiro com a medida ativa. Porque a senhora acha que algumas mulheres agem dessa forma?

Porque o problema está além da DDM. Nós, como delegacia, somos um instrumento importante na defesa da violência doméstica, mas não somos tudo. Às vezes, a mulher não tem consciência de que ela tem uma dependência, não só financeira, mas emocional. Nem ela consegue entender esse ciclo que ela sofre, porque faz parte da história de vida da mulher. É por isso, que a DDM tem de vir atrelada a uma política pública, uma casa de apoio, uma psicóloga. Para a mulher entender que a violência que ela sofre dentro de casa não é uma forma de carinho ou de amá-la.

Mas é normal achar que bater é uma forma de carinho?

Não. Não é normal. Mas é o contexto da vida da pessoa que há de ser analisada de uma forma individualizada. É uma questão psicológica que não dá para entender. Você não vai entender. Talvez, eu entenda uma parte. Mas é uma situação que a gente não consegue discutir tão facilmente.

Pelo que a senhora já conhece, Limeira está preparada para apoiar essas mulheres?

Não posso falar isso, pois não tive tempo ainda de conhecer tudo o que é oferecido aqui. Sei que há a Casa de Apoio, que vou conhecer nos próximos dias. Tem situações que chegam na minha mesa, que não dá para vislumbrar um crime. Mas dá para pedir para a rede apoio ajuda em certas situações.

E as ferramentas tecnológicas ajudam? A senhora acha que o Botão do Pânico, por exemplo, pode inibir a ação de agressores de mulheres.

Ajudam bastante. E elas sabem e pedem. Chegam aqui e pedem a medida e o botão do pânico. Porque a gente sabe que ajuda. No entanto, respondendo sua segunda pergunta, depende de cada caso. Tem homem que vai pensar antes de agir, se souber que ele corre o risco de ser preso. Mas, tem homem que não está nem aí. Tem casos que eles sabem de tudo e vão para cima da mulher. E quando isso ocorre e chega aqui, eu vou pedir a prisão. Pois, esse tipo de conduta não dá para aceitar. Mas, em tese, não dá para fechar uma fórmula.

Então, a senhora acredita que a medida protetiva não adianta?

Ajuda, mas sozinha não resolve. Porque tem homens que não medem as consequências. E por isso, há um crime de descumprimento na Lei Maria da Penha. Não foi por acaso, porque todo mundo sabe que tem homem que vai descumprir.

Vamos olhar para a outra ponta da violência: o homem. Muito se diz em apoio às mulheres. Mas a senhora acredita que trabalhar a educação e a prevenção da violência com o homem, não ajudaria?

Isso poderia ser levada até às escolas. De forma a trabalhar o respeito às mulheres na cabeça dos meninos e dos adolescentes. Mas, não sei se isso daria certo. Mas sei que, principalmente, encorajar as mulheres, a fazer o que elas quiserem traria resultados excelentes na questão da violência doméstica. A sociedade impões muitos limites hoje e as meninas começam a encarar essa situação como se fosse algo normal. Mas, infelizmente, isso requer um tempo. Essa situação não é resolvida de hoje para amanhã. Em 16 anos da lei Maria da Penha, a gente já teve diversos avanços. Mas, é necessário avançar mais.

Briga de marido e mulher se mete a colher, doutora?

Claro que sim. Temos de trabalhar também a consciência de qualquer homem, não só o agressor. Aquele vizinho, colega de trabalho, amigo que está vendo a mulher ser agredida tem de denunciar. Às vezes, a mulher que está sendo agredida e não tem a quem recorrer. E um homem, ou que seja uma mulher, que denuncie, é uma forma de ajudar àquela vítima.

Vamos falar de estupro de vulnerável. Limeira tem uma característica de o número deste tipo de crime ser alto. Isso é uma pedra no sapato?

Não digo que seja uma pedra no sapato, mas vai ter prioridade. Quando esse tipo de situação chegar aqui a gente vai parar tudo e investigar. E não estou falando apenas de uma conjunção carnal, mas, um ato libidinoso, um toque nas partes íntimas, vai repercutir na vida da vítima como um todo. Então, se a gente não analisar com todo cuidado, aquele ato vai ter reflexo para o resto da vida dessas crianças ou adolescentes.

A determinação legal de a criança ou adolescente ser ouvido, de forma especializada, atrapalha a investigação? Ouvir a vítima não é fundamental para a investigação de casos de violência sexual contra vulneráveis?

Claro que é. Mas a gente pode colher as informações de outras formas. Porque é muito doloroso para a criança ficar lembrando daquela situação, principalmente se a escuta não for especializada. Eu acho correto esse cuidado. Imagina uma menina chegando aqui e sendo ouvida duas ou três vezes na delegacia. Ai, vai para o Fórum e fala sobre aquilo mais duas ou três vezes. O falar, às vezes, se torna mais traumático que o próprio ato em si.

 

 

 

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