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STF volta a julgar lei que proíbe linguagem neutra nas escolas

Está previsto para terminar hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento de uma lei de Rondônia que proíbe a linguagem neutra na grade curricular, no material didático das escolas públicas e privadas do Estado e em concursos públicos. A aplicação da lei foi suspensa de forma liminar em novembro de 2021 pelo ministro Edson Fachin, relator da ação. O magistrado entendeu que legislar sobre diretrizes e bases da educação é competência privativa da União. A decisão plena do STF deve atingir leis semelhantes aprovadas em outros Estados e municípios. Em Limeira, o projeto de lei protocolado no ano passado, que garante aos estudantes do município o direito ao aprendizado da Língua Portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino e proíbe a utilização da chamada linguagem neutra nas escolas públicas e privadas, foi discutido em audiência pública. O projeto de autoria do vereador Anderson Pereira segue em tramitação e pode entrar na pauta este ano.

A linguagem neutra, também conhecida como linguagem não binária, evita o uso dos gêneros tradicionalmente aceitos pela sociedade (masculino e feminino), com o intuito de tornar a comunicação mais inclusiva e menos sexista. Nessa linguagem, os artigos feminino e masculino, como "a" e "o", são substituídos por um "x", "e" ou "@". A palavra "todos" ou "todas", por exemplo, na linguagem neutra ficaria "todes", "todxs" ou "tod@s". Há quem defenda, ainda, o uso do termo "elu" (no lugar de "ele" ou "ela") para se referir a qualquer um, independentemente do gênero.

Essa modalidade tem enfrentado oposição de grupos conservadores, entre eles alguns ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob o argumento de que essas variações não são reconhecidas pela norma culta do idioma. Nos últimos anos, parlamentares apoiadores de Bolsonaro investiram, no Legislativo, na promoção de leis que vedam o seu uso.

Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a adotar o pronome neutro ‘todes’ em eventos e cerimônias oficiais. "Boa tarde a todos, a todas e todes", disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de posse no dia 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo dos dias seguintes.

Segundo Fachin, no exercício de sua competência constitucional, a União editou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Com base nela, o Ministério da Educação fixa os parâmetros curriculares nacionais, que estabelecem como objetivo o conhecimento e a valorização das diferentes variedades da língua portuguesa, a fim de combater o preconceito linguístico.

Para Fachin, ao proibir determinado uso da linguagem, a lei estadual atenta contra as normas editadas pela União, no exercício de sua competência privativa. "A pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba por proibir uma forma de expressão. Questões que digam respeito ao ensino e ao aprendizado da Língua Portuguesa, de caráter obrigatório - o que abrange o conhecimento de formas diversas e alternativas de expressão, de caráter formal e informal -, estão inseridas nesse espaço normativo, de aplicação nacional", escreveu.

Fachin explicou que o uso da linguagem neutra ou inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, que subordinam um gênero a outro, e sua adoção tem sido frequente em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais. Segundo ele, seria difícil imaginar a compatibilidade entre essa proibição e a liberdade de expressão garantida constitucionalmente.

“A proibição imposta pela lei de Rondônia é censura prévia, prática banida pela legislação nacional”, destaca. Ele lembrou ainda que o STF já decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero e, também, que a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. "Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado."

Em plenário virtual, os ministros do Supremo decidem se acompanham ou divergem do entendimento do relator. A decisão deve produzir o chamado efeito vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares. Como o julgamento é virtual, os ministros apresentam seus votos sem debate. Se houver pedido de vista, o julgamento será suspenso. Havendo pedido de destaque, o caso será enviado para o plenário físico da Corte. 

Decisão pode impactar estados e municípios da região


A lei de Rondônia questionada no STF não é a única a proibir o uso da linguagem neutra nas escolas e em concursos. Em Mato Grosso do Sul, foi sancionada uma lei que torna obrigatório o uso da norma culta da língua portuguesa nos instrumentos de aprendizagem utilizados no ambiente escolar, nos documentos oficiais e na confecção de materiais didáticos.

No Paraná, os deputados estaduais aprovaram, em 13 de dezembro, em 1º turno, um projeto de lei que impede o Estado de utilizar a linguagem neutra em qualquer nível institucional. O projeto depende de 2ª votação e da sanção governamental. Em Santa Catarina, decreto estadual proibiu a linguagem neutra, mas o PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade.

Câmaras municipais foram na mesma direção. Em Belo Horizonte, o projeto que proíbe a linguagem neutra - de autoria do então vereador Nikolas Ferreira (PL), que depois se tornou o deputado federal mais votado do Brasil - foi aprovado em primeiro turno em 2022. O mesmo aconteceu em Juiz de Fora (MG).

Em Joinville (SC), uma lei veda expressamente a utilização de linguagem "estranha à Língua Portuguesa" no âmbito da administração pública municipal. No mesmo Estado, o Tribunal de Justiça revogou lei semelhante aprovada pela Câmara de Criciúma. No Estado de São Paulo, Valinhos também proibiu a língua neutra.

Em Limeira, projeto foi pauta de audiência e segue em tramitação


Em setembro do ano passado, o Projeto de Lei, que garante aos estudantes do município o direito ao aprendizado da Língua Portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino e proíbe a utilização da chamada linguagem neutra nas escolas públicas e privadas chegou a ser discutido em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Câmara.

A reunião foi conduzida pelo vereador Anderson Pereira (PSDB), autor da proposta e pelo presidente da Câmara na época, vereador Sidney Pascotto, Lemão da Jeová Rafá (PSC).

O secretário municipal André de Francesco também participou e apontou que essa situação é bastante complexa, primeiro por causa da questão cultural e segundo em razão da normatividade e da técnica aplicada ao aprendizado. “A meu ver não é uma linguagem neutra que vai promover o respeito e a inclusão. O que precisa ser trabalhado é o respeito à condição de qualquer pessoa”, defendeu Francesco. Assim, propôs a adoção de práticas da difusão do respeito nas escolas.

No debate, o vereador Anderson defendeu o princípio jurídico que diz que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. Entretanto, ele considerou que a proposta de linguagem neutra não busca igualdade, mas privilégio. "O que se vê é uma tirania de uma minoria que não representa quase nada da nossa sociedade. Aqueles que se dizem não binários representam 1% da sociedade. O que estamos discutindo é privilégio, e isso não podemos permitir", afirmou.

O Projeto de Lei Nº 114/2022 está em tramitação. Na época, os vereadores Bano, Abraão, Lemão da Jeová Rafá, Elias Barbosa e Betinho também se manifestaram favoravelmente ao projeto. A Gazeta questionou o vereador Anderson Pereira, na tarde de ontem, sobre o julgamento do STF, mas segundo o parlamentar, ele só irá se manifestar após a decisão do Supremo.

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