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A nascente história da industrialização limeirense

Muitos fatores, de ordem física, geográfica, econômica e humana moldaram a indústria em Limeira. As atividades manufatureiras e industriais começaram ainda no século XIX, em especial no ambiente das fazendas. Nas oficinas da Fazenda Ibicaba, de propriedade do Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, por volta de 1850, por exemplo, fabricavam-se carroças, arados e outros instrumentos agrícolas para uso próprio e para as demais fazendas da região. O próprio Senador Vergueiro, nome de grande relevância à nossa cidade, idealizou e mandou construir nas oficinas um descascador de café, além de apetrechos de combate para os combatentes durante a Guerra do Paraguai.

 

Foi entre o final do século XIX e início do século XX que a presença de indústrias e fábricas se intensificou na região, sobretudo com a chegada de grupos de migrantes e imigrantes europeus que vinham para trabalhar nas lavouras e que, mais tarde, estabeleceram-se no núcleo urbano. Neste período registra-se em Limeira várias iniciativas de pequenas empresas, muitas de cunho familiar e doméstico, como olarias, fábrica de carroças e troles, uma fábrica de macarrão, uma torrefação de café e outras. Os próprios imigrantes foram de grande importância para o surgimento de diversos ofícios e suas especialidades, como serralheiros, marceneiros, sapateiros, pintores, tipógrafos, entre outros, os quais, graças à engenhosidade e ao domínio de técnicas marcaram de forma significativa a nascente história da industrialização limeirense.

 

Para entender melhor a importância da indústria para a história de Limeira, a Gazeta convidou o historiador João Paulo Berto, bacharel e licenciado em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH/Unicamp), mestre em História Cultural e doutor em História da Arte. João é especialista em História e Humanidades pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Estadual de Maringá e Mestrando em Museologia pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da USP (PPGMU-USP). 

 

Foi conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Arquitetônico de Limeira (Condephali) e atua também como docente no curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Integradas Einstein de Limeira e como arquivista no Centro de Memória - Unicamp, respondendo pelas áreas de processamento técnico e documentação digital. É membro da Comissão de Bens Culturais da Diocese de Limeira e curador do Museu Eclesiástico da Diocese de Limeira. 

 

Confira a entrevista:

 

Como foi o surgimento do setor industrial em Limeira?

Na verdade, esta é uma pergunta complicada, justamente pensando em qual acepção de indústria estamos pensando. Aqui vou tomar o conceito de indústria para o qual podemos pensar todo e qualquer local onde uma determinada matéria prima é transformada em produtos que podem ser consumidos pelas pessoas. Assim, não estamos falando apenas das grandes indústrias e fábricas, mas também dos pequenos ambientes de trabalho familiar, por exemplo. A estes últimos, podemos pensar nos ofícios tradicionais, como o serralheiro, o marceneiro, o pintor, o sapateiro, entre outros. É por isso que é possível pensar que existe já um setor industrial – nestes termos que apresentei – que acompanhou o povoado de Nossa Senhora das Dores do Tatuibi desde o seu desenvolvimento urbano, especialmente a partir dos anos 1830. Já no âmbito rural - com destaque para as fazendas, pendas no âmbito da indústria agrícola – esta atividade industrial é até mesmo inferior à criação do povoado de 1826. Os vários engenhos de cana-de-açúcar que ocupavam a paisagem das sesmarias que formavam a região hoje ocupada por Limeira, Iracemápolis, Cordeirópolis, por exemplo, atestam que seria esta atividade industrial agrícola que deu origem à Limeira, já que foi a necessidade de escoamento da produção das fazendas e sítios que levou à abertura de uma estrada entre as atuais cidades de Jundiaí a Campinas, seguindo em direção ao Morro Azul. Com isso, podemos retroceder ainda mais o surgimento do setor industrial na região, com origens remontando ao final do século XVIII e início do século XIX.

 

O que contribuiu para o desenvolvimento industrial da nossa cidade?

Muitos fatores, de ordem física, geográfica, econômica e humana. Ainda no século XIX, a questão geográfica foi essencial, dada a posição estratégica do povoado próximo a uma rede de fazendas de extrema importância produtiva na então província de São Paulo. Este cenário gerou um capital agrícola excedente que vai impulsionar o próprio desenvolvimento urbano de Limeira ao longo do século XIX. Outro aspecto é o humano. Indústria é, essencialmente, saber técnico e no contexto de Limeira este teve várias origens: negra escravizada (dimensão esta que carece de estudos no contexto de Limeira), branca livre local e branca livre europeia. Todos estes grupos populacionais que por aqui se fixaram ou simplesmente estiveram de passagem, deixaram um importante legado cultural e técnico. Os imigrantes – para o que temos diversos estudos já realizados – deixaram importantes marcos na história industrial, entre os quais podemos destacar famílias como os Prada, Zaccaria, D’Andrea, Levy, etc. Contudo, ainda faltam estudos que avaliem os impactos e rastreiem a pequena indústria local, tão importantes quanto as grandes fábricas no que se refere à circulação de um capital no âmbito urbano. Outro aspecto são os ciclos econômicos bem claros pelo qual Limeira passou. Da cana-de-açúcar, passando pelo café, pela citricultura e, na segunda metade do século XX, da joia folheada. Todos motivados por um saber fazer local e, até mesmo, importado, que garantiu a consolidação de Limeira como um polo importante no cenário paulista. É esta dimensão e estrutura legadas que permitiu a ampliação e a diversificação, na passagem do século XX para o XXI, da paisagem industrial local.

 

O que pode destacar sobre a arquitetura nos prédios industriais de Limeira?

Ponto importante é que, atualmente, pouca é a arquitetura industrial que ainda resta na paisagem urbana de Limeira. Um exemplo é o atual estado do prédio da Machina São Paulo. Hoje em estado de ruína, resta pouco mais de uma das paredes externas em alvenaria de tijolos à vista. O prédio que sediou a empresa da sociedade que tinha como um dos nomes principais Trajano de Barros Camargo Penteado por volta de 1917, teria sido construído, provavelmente, entre os anos de 1880 e 1890, para sediar uma fábrica de troles e carroças pertencentes a Emílio Spadari (da qual poucas informações são encontradas). Os prédios industriais construídos entre o final do século XIX e começo do XX variavam do ponto de vista de sua dimensão, de modo a atender o número de funcionários e tipo de matéria prima e maquinário empregado. Do ponto de vista do estilo arquitetônico, este estava muito mais ajustado a ideia do atendimento às necessidades e às funcionalidades do prédio que uma estética própria – mesmo que esta sempre apareça e esteja, muitas vezes, alinhada aos principais discursos estéticos em moda. Podemos citar, por exemplo, desde o uso da alvenaria de tijolos à vista (como na já citada Machina São Paulo ou no Galpão Ypiranga-Vely), ou de outros estilos, como o art-déco (no caso da Indústria Prada). Na segunda metade do século XX, percebe-se que a dimensão plástica vai sendo deixada de lado, em prol das construções de grandes barracões de alvenaria com volumes geométricos integrados entre si (como no caso da Companhia União, em abandono), inserindo cada vez materiais ditos modernos, como o ferro, o aço, o vidro, coberturas metálicas, entre outros.  Vale ressaltar que Limeira teve, do ponto de vista industrial, duas experiências interessantes no que tange a uma gestão humanizada dos operários. Uma delas foi a Machina São Paulo, que oferecia diversos direitos aos seus empregados, tais como férias, assistência médica familiar, participação nos lucros, incentivos à evolução de carreira e gratificação conforme o desempenho, elementos que só seriam estabelecidos com a legislação trabalhista expressa na Constituição Federal de 1934. A mando do Dr. Trajano, ainda na década de 1920, foram edificadas para seus encarregados quarenta e oito pequenas casas na Villa São Paulo (hoje compreendendo uma área entre as ruas Humaitá, Tenente Belizário, Carlos Gomes e Tiradentes) e outras onze foram obtidas na Villa Sant'Anna. A outra foi a Companhia Prada, que criou, por exemplo, em 1942, a Cooperativa de Consumo Prada, facilitando a venda de produtos para servidores da empresa. Neste mesmo segmento, em 1944, o grupo instituiu a “Fundação Prada de Assistência Social”, que prestava aos seus operários assistências médica, dentária e educacional, exames de laboratório, auxílios e donativos. Esta foi declarada de utilidade pública em 1960 pela Lei Municipal nº 663. Demonstrando a preocupação do grupo Prada com as questões sociais, não somente de seus funcionários, mas com os filhos dos trabalhadores, foi fundado o Grupo Escolar Prada, defronte ao prédio da indústria, no ano de 1947. Dois anos depois, a construção da Creche Clélia Prada ao lado da escola foi concluída, tendo sido inaugurada em 3 de agosto de 1949, juntamente com uma capela dedicada ao Menino Deus. Inicialmente, a creche foi dirigida pelas religiosas filhas de São José: Madre Felicita, Irmã Savérie e Irmã Concetta, sendo plenamente organizada em 3 de setembro, quando recebeu as primeiras crianças. Em 1954, ampliando o setor educacional na cidade, criou também, no mesmo prédio da creche, como forma de dar continuidade aos estudos das crianças ali deixadas, o Jardim da Infância “Iris Della Chiesa”, nome dado em homenagem à esposa de um grande amigo de Agostinho Prada. Implantou também, em 1957, o ensino pré-primário, anexo ao Jardim de Infância, além de fundar em 1959, a “Escola Materna Ana Prada”, como forma de dar orientação às meninas concluintes do pré-primário. Neste mesmo período, foram construídos também um estádio de futebol e um clube socioesportivo para os empregados, na parte sul do amplo terreno da indústria de chapéus. Este estádio foi cedido, posteriormente, para a utilização do clube “Independente”, sediado no Jardim São Manoel, posteriormente Estádio Municipal Agostinho Prada.

 

E hoje?

Atualmente, vemos em Limeira configuração de prédios industriais alinhados a uma estética pautada muito mais nas diretrizes da funcionalidade que em visões puramente estéticas. Diferente da segunda metade do século XX, percebemos que os atuais prédios colocam na ordem do dia aspectos como a sustentabilidade projetual e uma maior preocupação com a relação humana e o entorno do edifício.

 

 

 

 

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