Foto de capa da notícia

Doação de órgãos: “não é falar sobre morte, é falar sobre vida”

Em março de 2020, a família se despedia dolorosamente do jovem Gustavo Assad, de 17 anos, vítima de morte encefálica devido ao rompimento de um aneurisma. Diante do momento, a mãe, Alessandra Daniela Assad Moraes se deparou com um dilema: a doação de órgãos. “Dissemos o sim mais difícil da vida, porém o mais gratificante, pois sabemos que aquele jovem tão lindo, bondoso e carismático vive nas pessoas que ajudou a salvar”, disse.

 

A captação dos órgãos de Gustavo foi o primeiro realizado pelo Hospital Unimed Limeira (HUL) e teve grande repercussão na época. Foram doados rins, fígado, coração e córneas. O procedimento foi conduzido na UTI Adulto do HUL seguindo as orientações para manutenção do potencial doador e pela equipe da OPO - Organização de Procura de Órgãos de Campinas.

 

“Quando o nosso único filho aos 17 anos teve o rompimento de um aneurisma foi fatal. Em um prazo de dois dias. Um dia nós estávamos programando a festa dele de 18 anos, que seria no mês de abril e no outro correndo atrás da ambulância do SAMU sem entender o que tinha acontecido, que ele tinha sentido essa forte dor de cabeça e desmaiado. Chegando no hospital teve todo o protocolo de morte encefálica porque foi muito grave o aneurisma. Ocasionou um AVC hemorrágico muito grande e não teve volta. Ele voltou para casa do Pai e nós ficamos perdidos”, relata. 

 

Na época, o hospital ressaltou que a doação é um direito da família e somente ela pode decidir sobre o assunto. “Cabe à equipe intra-hospitalar esclarecer a todos os envolvidos e acompanhar o processo de determinação de morte encefálica, para que não haja dúvidas sobre a doação”, explicou o hospital. 

 

Alessandra conta que o filho era extremamente saudável, tinha passado na faculdade de educação física, e os médicos disseram da possibilidade de ajudar a salvar outras vidas. “Foi um sim muito difícil, mas hoje olhando pra trás eu vejo que foi a decisão mais acertada porque outras pessoas puderam continuar com os seus sonhos. O sonho do Gu e o nosso acabava ali, mas outras pessoas puderam continuar com esse sonho, através do coração, dos rins, do fígado, das córneas, nós autorizamos também a retirada de pulmão, intestino, pâncreas, o que fosse preciso. A partir desse dia começamos a entender a importância da doação de órgãos”, disse. 

 

De lá para cá, a família de Gustavo ainda sente o luto, sente a sua falta, mas encontraram uma forma de levar essa experiência da doação de órgãos e reforçar para a sociedade sobre a importância da conscientização e a desmistificação do tema. “Doar órgãos ajuda quem sobrevive e torna a vida de quem partiu ainda mais significativa”. 

 

Na época do ocorrido, Alessandra conta que o assunto também estava em alta, com a morte do apresentador Gugu Liberato. Na época, a família realizou seu desejo de doar seus órgãos. “Pensávamos que era uma realidade muito distante de nós. Jamais imaginávamos que fossemos doar ou que fossemos precisar de um órgão, então nós nos deparamos com a mesma situação e vimos a importância e a necessidade de se falar, porque tem muito medo envolvido, mas a gente acaba não tendo ideia da dimensão e da quantidade de pessoas que precisam. Foi quando comecei a falar sobre a história do meu filho que ajudou a salvar vidas, por isso é importante divulgar tudo isso, não é falar sobre morte, a doação, é falar sobre vida”, disse. 

 

Emocionada, a mãe relatou que chegou a ser questionada se essa seria uma decisão por parte do filho. “Eu queria o Gu comigo, nunca quis que ele fosse embora tão cedo, eu tinha muitos planos para ele, mas não eram os planos de Deus. Os planos de Deus era tê-lo de volta então nós o devolvemos e ajudamos com que outras pessoas voltassem a viver. E isso traz uma paz no coração, sabe? Nós nunca tínhamos falado sobre isso com o Gu. Fui até questionada, se ele queria doar os órgãos. Eu não sei, mas na hora eu imaginei que do jeito que ele era, um jovem super amoroso, carinhoso afetuoso que ele ia gostar. Até que um dia uma amiga dele me enviou um vídeo que ele tinha compartilhado numa rede social dos amigos uns meses antes dele falecer, era sobre uma menininha falando pro Papai Noel que tinha recebido um coração. Então ali eu tive a certeza de que sim, ele teria tido a mesma atitude de doar os órgãos”, disse. 

 

SETEMBRO VERDE

 

Além do tema estar em alta, após o transplante de coração do apresentador Fausto Silva, o país também inicia o “Setembro Verde”, mês de conscientização e incentivo para doação de órgãos. Um doador pode salvar cerca de 8 vidas. Conforme a Gazeta divulgou recentemente, mais de 50 mil pessoas aguardam por um órgão. O Brasil é o 2º país mais avançado em transplante, sendo 96% das cirurgias realizadas pelo SUS. “Todas as pessoas são potenciais doadoras”. 

 

Na próxima segunda-feira, Alessandra vai usar a Tribuna Livre da Câmara de Limeira para contar a história de Gustavo e reforçar a campanha “Setembro Verde”. Alessandra relatou que se tornou grande incentivadora da causa. “Hoje a gente fala que é muito importante falar com a família, porque a família tem que estar ciente que você quer doar, porque na hora que tiver esse diagnóstico de morte encefálica, infelizmente não tem mais volta, então as pessoas têm que saber do seu desejo. Na hora é muito difícil, por que você está vendo a pessoa dormindo, imagina que ele vai acordar mais, mas ele não vai”, relata. 

 

De um doador é possível obter vários órgãos e tecidos para realização do transplante. Podem ser doados coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões. Portanto, um único doador pode salvar inúmeras vidas. “Na época eu não sabia, por exemplo, que a doação de pele era importante. Fiquei com receio. Mas hoje, vejo que o nosso Gu poderia ter ajudado ainda mais pessoas. Por isso é importante divulgar”, afirma. 

 

Para ser um doador não é preciso deixar nada por escrito, nem registrado em documentos. Basta comunicar sua família do desejo de ser um doador, pois a doação de órgãos e tecidos só será realizada após a autorização familiar. Em Limeira, a Santa Casa informou que realiza uma média de captação de 10 a 15 córneas por mês e uma captação de órgãos a cada dois ou três meses.  Em 2022 foi uma média de 4 a 5 captações de órgãos e 150 a 200 captações de córneas.

 

Comentários

Compartilhe esta notícia

Faça login para participar dos comentários

Fazer Login