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‘Reforma Tributária: principal avanço é simplificação do sistema’

 

Professor especialista em Finanças detalhas pontos positivos e preocupantes do texto que está em curso no Brasil

 

 

No Brasil, as empresas gastam, em média, mais que 1.500 horas por ano para calcular, recolher e controlar o pagamento de seus impostos. Na Coréia do Sul, são 174 horas. Na França, 139 horas. Nesta entrevista, o professor Márcio Belli, especialista em finanças públicas e coordenador associado do Laboratório de Finanças da Faculdade de Ciências Aplicadas da (FCA/Unicamp), explora os principais aspectos da reforma tributária em curso no Brasil.
Ele analisa os pontos positivos que prometem simplificar o sistema fiscal, reduzir a burocracia e estimular o crescimento econômico. Ao mesmo tempo, também aborda as preocupações levantadas por especialistas e cidadãos, destacando possíveis impactos.

Porque tanta dificuldade para fazer uma reforma tributária?

A questão mais básica é que o sistema tributário, aquilo que chamamos de arcabouço, que é o conjunto das leis e normas, compõe um dos contratos sociais mais complexos que temos dentro da sociedade. São normas e regras de convivência para fazer a sociedade funcionar.
Particularmente, o sistema tributário brasileiro é muito complexo. A gente percebe isso quando compara com outros países, por exemplo, uma estimativa do Banco Mundial que dá conta que as empresas brasileiras gastam em média 1,5 mil horas por ano para poderem calcular, controlar e recolher seus tributos. Isso é uma enormidade.
Para se ter uma ideia, na Coreia do Sul são 174 horas e na França são 139 horas, menos de 10% do que se gasta no Brasil. Isso é muito complicado porque onera a estrutura da empresa e traz custos que são repassados nos produtos e serviços e que irão onerar o consumidor.
Para simplificar esse raciocínio para meus alunos uso uma metáfora. Essa reforma tributária se assemelha a você ter uma tarefa de demolir e reconstruir um prédio com uma nova estrutura mais moderna, mas com as pessoas morando dentro. Então, as vezes ela assusta um pouco por conta do nível de complexidade. Não é fácil. São muitas normas e regras. Os entes federativos União, Estado e municípios, todos eles legislam sobre tributos. Então, vira um emaranhado que, em alguns casos no Brasil, sequer sentido fazem. Há regras tributária que são até injustas.

Resumidamente, quais são os pontos positivos?

O texto traz vários pontos positivos. O principal deles é a simplificação do sistema. O cerne dessa reforma é pegar cinco tributos: ICMS, ISS, Pis, Cofins e IPI e transformar em dois tributos: O IBS – Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços. O IBS será estadual e municipal e a CBS será da União Federal.
Esses dois estão em linha com os conceitos e natureza do IVA – Imposto sobre Valor Agregado. Isso significa que o tributo é cobrado somente sobre o valor adicionado gerado. Por exemplo, se alguém fabrica uma caneta e ela custa R$ 10 para ser fabricada e vende por R$ 13, será recolhido tributo sobre R$ 3 que é o valor agregado. A loja iré revender por R$ 15 e ela vai cobrar sobre R$ 2. Assim, todos os elos da cadeia produtiva vão cobrando seus tributos sobre essa parcela do valor agregado e, hoje, no atual sistema brasileiro não é assim. Então, temos uma confusão tão grande de normas e regras que se alguém quiser saber quanto de imposto há nessa caneta é praticamente impossível de se saber. Então, esse é o primeiro ponto positivo, a simplificação que se espera que traga inclusive economia e que os produtos e serviços fiquem mais baratos para o consumidor por conta dessa simplificação.
Outro ponto é a promessa de tratamento diferenciado para produtos da cesta básica, possivelmente alíquota 0. Isso não temos e é importante. Outro ponto é a manutenção de isenção de tributos para livros, entidades religiosas e entidades de caridades.
Também há a alíquota diferenciada para medicamentos. Há previsão de 50% dos medicamentos pagarem metade da carga tributária. Por outro lado, existe a previsão de seletividade naqueles produtos que são prejudiciais à saúde e meio ambiente e que vão pagar alíquota maior.
Existe uma inovação muito grande que está sendo chamada no texto de cashback, ou seja, devolução de imposto e tributos para determinados contribuintes de baixa renda e essa é uma inovação sem precedentes.
Outra questão é a incidência de impostos sobre bens de luxo, por exemplo, iates, aviões particulares e que não pagam e passarão a pagar. Outro ponto muito importante dentro da sociedade em desenvolvimento como a brasileira é a manutenção do regime tributário simples para pequenas empresas. Isso é importante para economias jovens como a brasileira que está se desenvolvendo.  Ao fim, o que acho muito importante é a transparência. Tudo isso atrelado ao princípio do IVA traz transparência.

Quais são pontos preocupantes?

O principal ponto preocupante é a própria natureza da reforma. Na verdade, o que foi aprovado em julho foi a intenção da reforma. Quando a gente pega o texto da PEC 45, a gente percebe que a reforma foi aprovada na essência e não na forma. Tudo que foi aprovado, como alíquota para medicamento por exemplo, tudo terá que ser regulamentado por lei. Terá que se criar uma norma específica para cada coisa no futuro. Então, foi aprovado na Câmara dos Deputados e hoje está no Senado para ser analisada uma grande intenção. Não existe ainda a determinação de alíquota, temporalidade e tudo mais que é necessário para que se funcione a questão tributária. Existem ainda questões que, ao longo do tempo, vamos ver como elas de desenvolvem.
Um ponto preocupante particularmente de minha parte, foi a criação de um Conselho Deliberativo para distribuição do IBS. Vai haver o CBS, que será da União e o IBS que vai para estados e municípios. Quanto que vai para cada estado e para cada município? Quem irá resolver isso é um conselho que foi criado e isso é uma inovação que, em tese, ele deverá sentar e resolver da melhor maneira possível, mas é preocupante pois nunca tivemos isso em uma questão tributária. Isso é complicado, preocupante e pode gerar polêmicas.
A gente sabe que quando se trata de receita de estados e municípios, isso está condicionado a interesses setoriais e até partidários. Então, não é algo trivial de se fazer essa divisão.

Quanto tempo levará para a reforma ser efetivada por completo? Por que?

A complexidade dessa reforma é bastante significativa e bastante complexa, inclusive quando a gente olha os prazos que foram dados na PEC 45. Para se ter uma ideia, estamos aprovando algo em 2023, mas o primeiro teste de alíquota será feito em 2026. Vamos passar 2024 e 2025 para depois fazer o teste. Vai se começar cobrando 0,9% da CBS e 0,1% do IBS para se ter uma ideia do potencial de arrecadação com esses dois tributos ao longo de 2026 inteiro. Quando se faz o teste significa que não tem ideia do que seja.
A partir de 2027 é que vão começar a serem instintos o PIS, COFINS e demais. E aí, para a extinção, que será gradual do ICMS, por exemplo, há o prazo e de 2029 a 2032. O ICMS só vai acabar em 2032, então serão dez anos para se fazer isso. E mais, para se ter completamente implementado essa reforma que está no texto, pois não sabemos o texto que vai sair do Senado e tudo mais, haverá um interstício de 50 anos, de 2029 a 2078 para que se leve a cabo todas as modificações.
Por exemplo, está previsto de 2029 a 2078 aconteça a cobrança dos IVAs no destino e não na origem. Esse último item da Reforma tem um período de 50 anos. Então, quando se pergunta sobre o tempo para implementar, na minha opinião, acho que em 10 anos teremos uma configuração razoável do que seja essa reforma que estamos aprovando agora.
E tenho quase que certeza que não será exatamente essa que está no texto porque é muito tempo. Então, ao longo do tempo vamos ter outro congresso, outro presidente da República, outras forças agindo e, assim, interesses setoriais compreendendo o que é essa reforma e, sobretudo, sentindo seus efeitos. E aí é inevitável que, dentro dos regimes democráticos existam atuações em prol de interesses legítimos, neste caso, e essa reforma ao longo dessas décadas. Na minha opinião, 10 anos no mínimo para a gente ter uma ideia do que seja e depois 30 anos para ela entrar em vigor plenamente.

Como fica o caso das universidades estaduais paulistas?

Essa reforma é uma coisa muito complexa e toca em interesses setoriais. No caso especificamente do ICMS, no Estado de São Paulo, existe uma questão importante que são as universidades públicas paulistas: A USP, Unicamp e Unesp, que são financiadas com um porcentual de uma parte do ICMS que a gente chama de cota-parte, atualmente em 9,57%. E, neste caso, vejo preocupação grande da comunidade acadêmica pois existem duas questões bastante importantes a serem vencidas neste caso. Uma é de cunho técnico e outra cunho legal. A questão técnica é que o ICMS vai ser instinto a partir de 2026 e será gradativamente extinto e zerado de 2029 a 2032. Então, se o financiamento dessas três universidades vem do ICMS como irá ficar? Vai haver uma repactuação deste modelo de financiamento em cima do IBS? Então, é preciso se pensar. Será um porcentual? Quanto virá para o Estado de São Paulo? Em quanto tempo será recomposto? Vamos ter um período em que vai haver uma convivência entre o IBS e o ICMS. É uma coisa importante.
A questão legal é que esse financiamento, esse modelo, foi instituído em 1989 com a assinatura de decreto pelo então governador Orestes Quércia. O decreto não é lei e, do ponto de vista hierárquico e legal, ele e menor que uma lei. Então, o que acontece é que existe sim a possibilidade de extinção do modelo. Do ponto de vista legal precisamos pensar em como isso vai ser reformado. Será que teremos um sistema que traga autonomia orçamentária para as universidades? É preciso pensar em alguma coisa que possa ser perene tendo em vista, por exemplo, o financiamento da Fapesp que recebe 1% da arrecadação do Estado de São Paulo. Todavia, esse modelo, está previsto na Constituição do Estado e então não é um decreto que pode cair. Muito embora, essa preocupação é atenuada porque temos visto na imprensa uma disposição do atual governador de manter esse modelo de financiamento. Vimos, pela imprensa, que Tarcísio já declarou aos reitores das três universidades que tem a intenção de manter a autonomia das universidades. Isso nos traz um alento, mas não tira a preocupação. Conforme sabemos, essa é uma reforma longa e quando ela tiver seus efeitos, outras pessoas provavelmente estarão tomando decisões. Do meu ponto de vista, a comunidade acadêmica deveria já incrementar um pouco esse debate e já formular alternativas já visando os vários cenários que podem se configurar no futuro.

 

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