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Repasse de R$10 milhões à Sancetur motiva pedido de CPI na Câmara de Limeira

"Os atos praticados pelo administrador são nitidamente dolosos", afirma MP sobre subsídio na pandemia

 

Um requerimento de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi apresentado na Câmara de Limeira hoje para investigar e apurar supostas irregularidades no repasse de R$10 milhões, a título de subsídio emergencial, pelo prefeito Mario Botion (PSD) à empresa de transporte público coletivo Sancetur durante a pandemia da Covid-19 em 2020.

 

No documento protocolizado pelo vereador Francisco Maurino dos Santos – Ceará, (Republicanos), o mote do pedido é a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público (MP) em março deste ano, onde aponta que houve dolo do prefeito ao “assegurar a saúde de uma empresa privada em detrimento de diversos outros setores igualmente ou mais atingidos e tão essenciais quanto, e em claro prejuízo ao erário”.

 

Nos argumentos apresentados à Justiça, a promotora Letícia Macedo Medeiro Beltrame se baseou em um inquérito aberto pelo MP em agosto de 2020 para investigar denúncias nesse sentido. Em seu entendimento, Botion praticou ato de improbidade administrativa e pediu a cassação de seu mandato e sua inegibilidade, além do bloqueio de bens (leia mais abaixo).

 

“Os atos praticados pelo administrador são nitidamente dolosos, pois não há o que se falar em culpa a quem conscientemente cede 10 milhões de reais para assegurar a saúde de uma empresa privada em detrimento de diversos outros setores igualmente ou mais atingidos e tão essenciais quanto, e em claro prejuízo ao erário fulminando os princípios esculpidos no artigo 37 da CF (Constituição Federal)”.

 

Na ação, é elencado que o repasse foi feito no momento de agravamento da pandemia, por meio de uma lei aprovada pelo Legislativo em junho de 2020, época em que Botion já havia contratado de forma emergencial, desde o ano anterior, a Sancetur como concessionária para realização do serviço de transporte após a intervenção no sistema desde 2017. Contrato esse, lembra a promotora, anulado em decisão proferida em primeiro grau nos autos de uma ação popular por irregularidades na licitação ocorrida em novembro de 2019.

 

“Posteriormente, foi realizada nova contratação emergencial com a mesma empresa em 15 de fevereiro de 2020 por mais 180 dias. Em seguida, em 23 de março de 2020, ou seja, pouco mais de um mês após à nova contratação, a Sancetur pediu subsídio ao governo municipal, alegando que a diminuição do fluxo decorrente das ações de restrição de circulação decorrentes da pandemia tinha impactado negativamente a empresa sendo que não conseguiriam cobrir o custo operacional, o que ensejaria uma necessidade de aumento da tarifa dos usuários de R$4,50 para R$12,88, o que inviabilizaria o transporte público (aumento totalmente irrazoável)”.

 

A promotora alega ainda que, destoando em muito da realidade dos outros setores, a Sancetur “sequer sentiu os efeitos da pandemia porque tão logo contratada já formulou pedido de ajuda financeira o qual foi imediatamente atendido de maneira bastante generosa e magnânima pela Administração Pública que sequer questionou o valor solicitado pela pessoa jurídica privada”.

 

Relembrando

Em junho de 2020, Botion enviou um projeto de lei à Câmara para destinação de valor de R$10 milhões para auxílio à empresa em razão do decréscimo no fluxo dos ônibus decorrente das medidas de restrição da pandemia.

 

Em sua justificativa à época, alegou que houve impacto nos custos operacionais do sistema em razão da redução da frota, que chegou a atingir o patamar de 70%, “mínimo necessário a atender todas as linhas existentes, conquanto a redução do fluxo de pessoas que utilizam do sistema reduziu em 80%, além de quanto 1/4 desse fluxo é de passageiros não pagantes (autorizados por lei), não cobrindo os custos operacionais mínimos”.

 

Ao MP, soou curioso o fato de a prefeitura ter publicado um decreto, no mês seguinte à aprovação do subsídio emergencial, limitando o transporte público de segunda à sábado, suspendendo o transporte em 100% aos domingos, bem como o anúncio da redução diária do transporte coletivo em 33% na fase vermelha e 50% na fase laranja.

 

“Ou seja, o município, através de seus representantes, reduz drasticamente a frota de ônibus em circulação, circunstância que favorece a contaminação pelo Coronavirus, contrariando determinações estaduais e federais pela manutenção de serviços essenciais. Em seguida, uma empresa contratada de maneira emergencial e com contrato questionável um mês antes dos fatos sinaliza um aumento irrazoável da passagem de ônibus o que gera, em última medida, um repasse pela mesma Administração Pública que limitou o transporte essencial, a transferência de R$10 milhões para Sancetur sob justamente o argumento de continuidade de um serviço público que ela mesma descontinuou.

 

Assim, nitidamente irrazoável a destinação de vultosa quantia a uma empresa privada e recém contratada em detrimento de outras áreas em que tal ajuda era bem mais premente.”

 

Os parlamentares daquela legislatura, que se findava poucos meses depois, não foram unânimes na votação. Favoráveis foram: Anderson Pereira, Mir do Lanche, Darci Reis, Erika Tank, Estevão Nogueira, Helder do Taxi, Jorge de Freitas, José Farid Zaine, José Roberto Bernardo, Lu Bogo, Nilton Santos e Wagner Barbosa. Votaram contra: Carol Pontes, Clayton Silva, Constância Félix, Marcelo Rossi, Marco Xavier, Mayra Costa, Rafael Camargo e Waguinho da Santa Luzia.

 

Para o autor do requerimento apresentado agora no parlamento limeirense, a apuração é de extrema relevância para que haja esclarecimento quanto aos atos tomados pelo Poder Executivo por ter o dever de cumprir de forma estrita a legislação.

 

“A gravidade do caso fez com que a Promotoria formulasse pedido de condenação dos envolvidos. Assim, é importante que a CPI possa apurar tais fatos, com objetivo de levantar informações quanto a possíveis irregularidades no âmbito do Poder Executivo, visando atender com transparência o trato para com a coisa pública”, afirma Ceará.

 

Sem cálculo

No documento da promotoria, consta que a prefeitura esclareceu, através de ofício, que não era possível calcular a rentabilidade da Sancetur à época da concessão do benefício, “haja vista a necessidade de cálculo de fluxo de caixa, o que demandaria uma concessão de pelo menos 15 anos!”.

 

“Assim, muito questionável o repasse de vultosa quantia baseada apenas na estimativa de ganho da própria pessoa jurídica privada beneficiada, sem que esses valores fossem possíveis de auditamento. Ora, como o agente público transfere em caráter aleatório R$10 milhões a uma empresa concessionária contratada poucos meses antes sem bases financeiras razoáveis?

 

Assim, verifica-se que o ato do administrador, não se trata de simples irregularidade ou de ilegalidade sendo que essa última em regra ladeia atos ímprobos. Como consabido, o dolo consiste na existência de consciência e vontade praticar o ato, no caso, ato improbo."

 

Cassação

Nos pedidos feitos pela promotora, consta bloqueio e perda de bens de Mário Botion e da Sancetur, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei que destinou o repasse emergencial e pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano, a ser apurado em liquidação de sentença.

 

Além disso, pede à Justiça a condenação de Botion com a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos até 14 anos (o que inviabilizaria as pretensões eleitorais de Mário em concorrer ao cargo de deputado federal em 2026 para ocupar o legado deixado por Miguel Lombardi).

 

Quanto à CPI, Ceará anexou a íntegra da ação civil do MP, com mais de 600 páginas de investigação. Agora, para prosperar a abertura do pedido a Câmara, são necessárias as assinaturas de sete vereadores.

 

A íntegra do pedido, bem como as conclusões do MP acerca do caso, podem ser acessadas no site da Câmara: consulta.limeira.sp.leg.br, na aba Proposituras

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