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“Uso eleitoreiro da fé aumenta a intolerância religiosa”

Hoje, 21 de janeiro, comemora-se o Dia Mundial da Religião e, no Brasil, também o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data, instituída em 2007, é uma homenagem a ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda, que faleceu em 2000, em decorrência de agressões físicas e verbais por parte de membros de outra religião.

 

A liberdade religiosa é um direito fundamental previsto em Constituição, mas isso não impede que crimes de intolerância relacionados a fé ainda sejam um problema crescente no país. Mas o que configura a intolerância religiosa, exatamente? O professor de Filosofia, Roberson Marcomini, que é Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Unicamp e doutorando em Sociologia pela UFSCar explica que a data é um momento oportuno para reflexão, sobretudo atualmente, em que é crescente o número de denúncias de prática de atos de intolerância religiosa no país.

 

Roberson também atua no Fórum Inter-religioso de Limeira. A iniciativa pioneira em território nacional conta com 123 membros, voluntários e representativos de 30 segmentos religiosos, Secretarias de Estado, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Procuradoria Geral do Estado, Ordem dos Advogados do Brasil, Organizações não governamentais, Universidades privadas e Universidades públicas. Para ele, é preciso educar em todos os espaços e valorizar a pluralidade religiosa e o reconhecimento e o respeito às diferenças.

 

Confira a entrevista:

 

Quais são as principais formas de intolerância religiosa?

A intolerância religiosa se dá através do preconceito, discriminação, ofensas, profanação e agressões. É preciso lembrar que o Brasil é uma diversidade cultural, construída por uma colonização e migrações que trouxeram valores e crenças, e um dos motivos deste choque cultural e religioso passa por uma ideologia de superioridade europeia. A intolerância religiosa pode ser praticada por religiões dominantes e entre religiosos contra diferentes formas de interpretar a fé.

Como a intolerância religiosa afeta a sociedade?

A liberdade religiosa e a cultura de paz, assegurada na constituição, ainda não é uma realidade em nosso país, infelizmente deixa cicatrizes profundas em nossa sociedade que carece de um acolhimento em sua diversidade. A educação é o melhor caminho para combater a intolerância religiosa, pois desenvolve o respeito e apreço pelas nossas diferenças sendo assim transformando a sociedade na sua coletividade em prol do bem comum.

 

Qual a religião que mais sofre preconceito em nossa região?

A partir dos relatórios apresentados pelo Estado brasileiro e por instituições como a Unesco, a população que mais sofre preconceito é a afrorreligiosa, alguns pesquisadores defende o termo “racismo religioso”, o que nos ajuda a compreender que existe uma estrutura cultural que alimenta a intolerância religiosa a partir da colonização do Brasil. Na lei 17.346/2021 na Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo 50% são de matrizes africanas.

 

E no Brasil? O estado é realmente laico?

O Brasil no papel é um grande defensor da liberdade religiosa, a nossa Constituição Cidadã, de 1988 artigo 5° estabelece que todos são iguais perante a lei, e garante a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e de crença. O Estado com algumas leis tenta proteger as religiões e sendo assim confirmar uma liberdade de crença e de culto, mas infelizmente os números de intolerância religiosa só vem aumentando as denúncias.

 

Política e religião, cada vez mais juntas, contribui para a intolerância?

A instrumentalização política da religião para alimentar o ódio, exclusão e eliminação do outro, ou seja, práticas extremistas, e impondo uma visão única de mundo, está cada vez mais provocando intolerância.

 

Qual papel da política para combater a intolerância religiosa?

 No contexto brasileiro atual, a religião é, muitas vezes, utilizada em propagandas políticas e como ferramenta política de convencimento, precisamos denunciar a instrumentalização política oportunista das religiões que nega o direito e engana com discursos que distorcem a noção de liberdade. O uso eleitoreiro da fé aumenta a intolerância religiosa, já que fortalece a padronização de discursos, de corpos e crenças.

 

E as redes sociais?

As redes sociais podem auxiliar com a vantagem de seu potencial no algoritmo alcançando um público que necessita de informação boa e com isto espalhar uma rede de tolerância com muito mais velocidade, mas infelizmente o maior número de denúncias vem justamente da internet em 2017 um aumento de 456% em um ano.

 

Como podemos contribuir para combater a intolerância religiosa?

A partir desta matéria no jornal já é uma forma para combatermos o preconceito. Lembrar no dia 21 de janeiro é mais um dia de luta onde à Iyalorixá Mãe Gilda morta em 1999 foi vítima de intolerância religiosa, e hoje é uma referência ao dia Mundial da Religião. Hoje já temos leis para garantir este direito no Brasil, mas infelizmente existe pessoas que não estão comprometidos com o respeito a liberdade crença e cultura de paz, sendo assim temos o Disque 100 (Serviço de denúncias e proteção contra violações de direitos humanos, que funciona 24 horas).

OUVIDORIA – Secretaria da Justiça e Cidadania de São Paulo https://www.ouvidoria.sp.gov.br/Portal/ComoPossoAjudar.aspx?cod_prestador=106

 

Educar as crianças e os jovens é primordial para um futuro sem preconceito, mas como lidar com a intolerância enraizada em outras gerações?

Educar em todos os espaços e valorizar a pluralidade religiosa e o reconhecimento e o respeito às diferenças. O Fórum tem realizado diversas ações em escolas de Limeira. No ano passado, realizamos projetos, workshops e apresentações de teatro englobando o racismo, preconceito e intolerância religiosa. Na ETEC Trajano, por exemplo, projetos desenvolvidos com alunos foram destaques na Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharias). A informação é um dos instrumentos mais importantes para combater a intolerância religiosa e o Fórum mantém frentes de caráter educativo muito atuantes para orientar e incentivar o respeito à diversidade religiosa. 

 

Muitas vezes o preconceito e a intolerância vêm de membros da própria família, como é possível lidar com esse tipo de situação?

É triste ainda ouvir que famílias que estão separadas, uma parte da família de uma religião A não conversa com parentes que são da religião B, infelizmente a intolerância religiosa desatou laços construídos por grandes momentos importantes.

 

 

 

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