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Maternidade e trabalho: desafios e direitos das mulheres

Em um cenário em que as mulheres representam cerca de metade da população economicamente ativa do país, a realidade das mães no mercado de trabalho ainda exige atenção. A maternidade, embora natural e essencial para a sociedade, costuma representar um ponto de inflexão na trajetória profissional de muitas mulheres. Além das barreiras impostas pela desigualdade de gênero, as mães enfrentam o desafio da chamada “dupla jornada”, o que amplia a sobrecarga física e emocional. 

Para compreender os direitos assegurados a essas mulheres e as transformações recentes na legislação, a Gazeta conversou com Talita Garcez, especialista em Direito do Trabalho, mestre em Direito, pós-graduada em Direito Previdenciário e sócia do escritório Garcez Advogados.

 

“Nos últimos anos, temos notado que a sociedade está mudando e tem entendido que a presença da mulher no mercado de trabalho contribui para o crescimento econômico do país, e com isso algumas empresas estão implementando políticas de incentivo para a contratação de mulheres. No entanto, equilibrar a vida profissional e pessoal é desafiador, principalmente daquelas que são mães, já que a economia do cuidado e administração doméstica ainda é prioritariamente feminina”, disse.

 

Qual é a importância da presença das mulheres no mercado de trabalho?
A presença das mulheres no mercado de trabalho contribui diretamente para o crescimento econômico do país. A sociedade tem se mostrado mais consciente sobre isso, e algumas empresas vêm adotando políticas para incentivar a contratação de mulheres.

Quais os principais desafios enfrentados pelas mães que trabalham?
Conciliar a vida profissional com as responsabilidades domésticas e o cuidado com os filhos ainda é um grande desafio. Isso ocorre porque a chamada “economia do cuidado” ainda é majoritariamente feminina, o que sobrecarrega as mães, mesmo quando estão inseridas no mercado de trabalho formal.

A legislação brasileira protege a maternidade?
Sim. A legislação trabalhista brasileira tem diversas previsões que protegem as mães, sejam elas biológicas ou adotantes. No entanto, muitas mulheres desconhecem esses direitos, o que dificulta sua aplicação na prática.

Quais são os principais direitos garantidos às mães pela CLT e outras leis?

  • Estabilidade gestacional: A gestante tem direito à estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
  • Proibição de exame de gravidez: O empregador não pode exigir teste de gravidez na contratação ou durante o contrato de trabalho.
  • Dispensa para consultas: A gestante pode se ausentar do trabalho para realizar, no mínimo, seis consultas médicas e exames durante a gestação.
  • Licença-maternidade: A duração é de 120 dias, com prorrogação de até 60 dias para empresas participantes do Programa Empresa Cidadã.
  • Mudança de função em casos de insalubridade: A funcionária tem direito à alteração temporária de função durante a gravidez e amamentação, com retorno garantido à função original.
  • Intervalos para amamentação: São dois intervalos de 30 minutos por dia até o filho completar seis meses.
  • Dispensa anual para levar o filho ao médico: Um dia por ano é permitido para acompanhar filho de até seis anos em consultas médicas.
  • Repouso por aborto espontâneo: Em caso de aborto natural, a mulher tem direito a duas semanas de repouso remunerado.
  • Reembolso-creche ou local apropriado na empresa: Quando há mais de 30 funcionárias com mais de 16 anos, o empregador deve oferecer local para guarda dos filhos ou auxílio-creche.
  • Prioridade no teletrabalho: Mães com filhos ou dependentes sob guarda judicial têm preferência por vagas em trabalho remoto.
  • Antecipação de férias e regime parcial: As mães têm prioridade para férias antecipadas e redução da jornada nos primeiros dois anos da guarda ou nascimento.

Existem decisões judiciais que ampliam esses direitos?
Sim. Tribunais do Trabalho têm reconhecido, por exemplo, o direito a jornada especial para mães de crianças com deficiência ou com transtornos, sem redução de salário e sem exigência de compensação de horário. Também têm autorizado o trabalho remoto nesses casos, mesmo sem previsão específica na CLT.

Essas decisões têm base legal?
Elas se baseiam nos princípios constitucionais e em leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Embora nem todas estejam na CLT, os juízes consideram o dever do Estado e da sociedade de garantir os direitos fundamentais dessas crianças.

A nova Lei nº 14.457/2022 trouxe avanços para trabalhadoras com filhos?

Sem dúvida. Essa lei instituiu o Programa Emprega + Mulheres que é um programa que altera a CLT para estimular a contratação e permanência das mulheres no mercado de trabalho. Ele prevê ações voltadas à parentalidade, qualificação profissional e retorno ao trabalho após a licença-maternidade.

Quais são os benefícios práticos desse programa?

O programa garante prioridade para mães em vagas de trabalho remoto, flexibilização de férias e jornada, e permite acordos específicos com empregadores para conciliar trabalho e maternidade. Apesar de não ser obrigatório, ele orienta boas práticas que podem ser firmadas por meio de acordos individuais ou coletivos.

O que falta para que essas medidas sejam mais efetivas?

Falta conscientização e comprometimento das empresas com políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão. É preciso que os empregadores entendam a importância de criar ambientes acolhedores à maternidade, e que a sociedade cobre e apoie essas transformações.

Na prática, esses direitos são respeitados?

Nem sempre. Ainda há muitas dificuldades para as mães, especialmente em setores que resistem à flexibilização de horários ou ao teletrabalho. A realidade de muitas mulheres envolve discriminação velada, sobrecarga e a necessidade de provar constantemente sua competência. É essencial que as empresas estejam atentas às legislações e adotem políticas internas de acolhimento, além de promoverem ambientes diversos, inclusivos e igualitários.

 

Como a sociedade pode colaborar nesse processo?

É preciso que haja uma mudança cultural, em que a parentalidade — especialmente a maternidade — seja vista como parte natural da vida laboral. Empresas, gestores, colegas e o próprio Estado devem compreender que o cuidado com os filhos não é um "ônus" individual da mulher, mas um compromisso coletivo com o futuro.

 

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