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Proclamação da República: o que mudou e o que permaneceu no país

A Proclamação da República, celebrada neste 15 de novembro, costuma ser lembrada como um marco fundador da política brasileira. Mas, por trás da imagem oficial de ordem e civismo, há um processo complexo, marcado por disputas, interesses econômicos e pouca participação popular. Para compreender o que realmente aconteceu em 1889 e como aquele momento ecoa até hoje, a Gazeta conversou com a professora de História Rita Salmaso, do Colégio Jandyra de Limeira.

 

Na entrevista, ela analisa o fim da monarquia, os conflitos que moldaram o novo regime, o papel dos militares, a influência das ideias de modernização e as contradições de uma República que nasceu sem garantir cidadania plena. Rita também comenta como o tema é tratado nas escolas, os paralelos com o cenário político atual e os desafios para que os ideais republicanos de liberdade, igualdade e participação se tornem realidade no cotidiano dos brasileiros

 

Confira:

 

O que foi, de fato, a Proclamação da República em 1889 e quais foram os principais fatores que levaram ao fim da monarquia no Brasil?

A Proclamação da República foi o evento histórico que representa o fim do período imperial e o início do período republicano no Brasil.

A monarquia brasileira vinha passando por algumas crises em suas últimas décadas, sendo a questão abolicionista e o crescimento do movimento republicano as principais. O Brasil era o único país da América a manter a escravidão. As elites latifundiárias não queriam a abolição abrupta, procuraram atrasar o processo com leis que restringiam aos poucos a escravidão (como a lei do ventre livre e a lei dos sexagenários) e com o incentivo à imigração dos europeus como mão de obra assalariada em substituição à mão de obra escravizada. O movimento republicano reivindicava a modernidade, o desenvolvimento industrial e comercial do Brasil, o que chocava com os interesses das elites. Esta inércia política, social e econômica não condizia com o contexto ocidental de modernidade, industrialização e urbanização, fazendo com que o republicanismo fosse considerado a ponte para um futuro de mais dinamismo e desenvolvimento.

 

Podemos dizer que a Proclamação da República foi um movimento popular ou restrito a grupos específicos da sociedade?

A Proclamação da República não foi um movimento popular. A população estava à parte deste processo, que se engendrava com a participação de militares, classes ligadas ao comércio e industrialização e à uma parte da elite cafeicultora considerada mais engajada em processos desenvolvimentistas.

 

Quais eram os principais interesses políticos e econômicos em jogo na transição do Império para a República?

Nos âmbitos político e econômico, os republicanos vinham ganhando força por defenderem a modernização do país, se embasando em teorias científicas em voga na Europa, como a filosofia positivista que tinha como lema “o amor como princípio, a ordem como meio e o progresso como fim”. Como o país estava estagnado em características ainda muito coloniais, esses princípios deram legitimidade ao movimento que se dizia o único a promover os referidos avanços naquele contexto, em defesa da abertura da economia, investimentos em um processo de industrialização e descentralização dos poderes por meio de uma República.

 

Por que o 15 de novembro é considerado uma data tão importante para a história nacional?

A Proclamação da República é considerada uma data importante para a História nacional devido ao fato de ser um divisor de águas em nosso sistema político e econômico. Com a República, desaparece o poder moderador (que conferia ao executivo plenos poderes), o voto censitário e indireto, bem como instituiu uma nova constituição que promovia relativa autonomia dos estados com o sistema federativo.

 

A Proclamação da República pode ser vista como uma revolução inacabada em termos de cidadania e igualdade?

Com relação à sociedade, pouco foi feito no sentido de modernização e adequação às ideias de cidadania em desenvolvimento na Europa. O voto era direto e não mais com comprovação de renda, mas era atrelado à alfabetização de homens com mais de 21 anos, o que ainda restringia grande parte da população brasileira na participação política, visto que o ensino ainda era limitado aos poucos que podiam pagar por ele. Sem contar que as mulheres, mesmo as alfabetizadas, não eram consideradas cidadãs e portanto estavam excluídas de qualquer atuação regular na política nacional.

 

Como você avalia o entendimento dos brasileiros hoje sobre a Proclamação da República.

Com tantos anos de monarquia vividos em nossa história brasileira, desde o período colonial ao fim do Império (389 anos para ser mais precisa), eu avalio que os brasileiros, mesmo conhecendo a dinâmica republicana, ainda apostam em um líder político único como um grande salvador, aquele que resolverá todos os problemas que o país enfrenta, desconsiderando os poderes legislativo e judiciário. Já foi provado por pesquisas que o eleitor brasileiro se lembra em quem votou para presidente nas últimas eleições, mas não se recorda em quem votou para deputados e senador. Ter a consciência de que o regime republicano é baseado na ideia do equilíbrio de poderes, de um complexo sistema hierárquico e funcional, onde deve haver constante fiscalização de um poder sobre o outro e a importância da escolha de todos os representantes que podemos eleger é crucial para que nós consideremos efetivamente cidadãos.

 

De que forma o tema é abordado nas escolas e como despertar o interesse dos alunos por esse capítulo da história?

O tema é abordado como parte da Base Nacional Comum Curricular em História do Brasil em todas as escolas do território nacional e vem sempre a partir de reflexões sobre a cidadania atual em comparação com outros períodos, para que o aluno compreenda os avanços e retrocessos ao longo ao longo da História Geral, do Brasil e do próprio período republicano. O interesse é despertado quando o aluno é questionado sobre como seria sua vida sem os direitos adquiridos com o processo republicano.

 

Há paralelos possíveis entre o contexto político de 1889 e o cenário atual do país?

É possível identificar alguns paralelos estruturais entre o contexto da formação da República brasileira e os dias atuais principalmente no que diz respeito à desconfiança de parte da população quando ao Congresso, STF e ao sistema eleitoral, já que no final do segundo reinado havia também esta descredibilidade, bem como o protagonismo das Forças Armadas que proclamaram a República e hoje ainda são atuantes em cargos políticos e no debate público.

A polarização ideológica também se faz presente,  já que no contexto da crise do Segundo Reinado havia uma disputa entre monarquistas, republicanos federalistas e republicanos conservadores, e hoje vemos também forte polarização  entre blocos políticos e ideológicos que é ampliada pelas redes sociais. Porém, vivemos hoje em um sistema incomparavelmente mais complexo e democrático que afasta elementos marcantes daquele contexto do passado, como a escravidão, a economia marcada apenas pela agroexportação, a ausência de direitos sociais básicos e o sufrágio que era extremamente restrito.

 

O que ainda podemos aprender, como sociedade, com os ideais republicanos de liberdade, igualdade e cidadania?

Ainda temos muito o que aprender com os ideais republicanos, já que esses princípios nunca se concretizaram plenamente, afinal, fizeram parte do discurso mas a República se formou ainda muito marcada por desigualdades, baixa participação política e exclusão social. Por isso é muito importante esses ideais serem sempre revisitados e discutidos, pois não são apenas parte da nossa história, e sim uma agenda de aperfeiçoamento democrático.

Liberdade exige pluralismo, respeito às regras democráticas, imprensa livre, autonomia das instituições e educação crítica.

Igualdade exige inclusão social, educação de qualidade, oportunidades, combate ao racismo estrutural e demais políticas públicas que ajudam a reduzir desigualdades históricas.

Cidadania exige ação, conhecimento de seus direitos e de seus deveres, responsabilidade cívica, a busca do bem comum.

República é uma palavra com origem no latim: Res Plublica significa coisa pública, ou seja, algo que é de todos. Precisamos ter essa consciência e atuar para o verdadeiro bem comum. A população não pode ser mera expectadora da República como foi em 1889. É preciso que sejamos cidadãos atuantes, assim a democracia se fortalece e, consequentemente, a República também.

 

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