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“A Donanemabe é esperança, mas exige exames específicos”

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou recentemente o registro da Donanemabe, medicamento indicado para o tratamento do comprometimento cognitivo leve e da demência leve associados à doença de Alzheimer. Comercializado com o nome Kisunla, o remédio é considerado um marco no enfrentamento da doença, pois atua diretamente sobre uma das causas da degeneração cerebral: a formação de placas de beta-amiloide, proteínas que se acumulam no cérebro e interferem na comunicação entre os neurônios.

 

A aprovação reacende o debate sobre os rumos da ciência no tratamento de doenças neurodegenerativas e, ao mesmo tempo, coloca em pauta os desafios do acesso à triagem precoce e à infraestrutura necessária para oferecer esse tipo de inovação à população. O medicamento demonstrou, em estudo internacional com 1.736 pacientes, uma redução de 35% na progressão do Alzheimer em estágios iniciais, o que representa, na prática, mais tempo de lucidez, autonomia e conexão com a família.

 

Diferente dos medicamentos atuais, que atuam principalmente no controle de sintomas, a Donanemabe tem como proposta retardar o avanço da doença. No entanto, para ser prescrita, exige exames complexos e caros, como o PET scan e a análise do líquor, pouco acessíveis atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS). A aprovação pela Anvisa é apenas o primeiro passo de um caminho que ainda envolve questões como custo, produção, distribuição, regulamentação clínica e adaptação do sistema público de saúde.

 

Para analisar o impacto da novidade e os desdobramentos que ela pode trazer ao sistema de saúde brasileiro e ao cotidiano de milhares de famílias que convivem com a doença, a Gazeta entrevistou o médico geriatra e vereador eleito Marcelo Rossi. Com mais de três décadas de experiência na medicina, Rossi é formado pela Universidade São Francisco (Bragança Paulista) e tem pós-graduação em Geriatria pela Faculdade de Medicina da USP. Também atuou como médico do juízo na Vara do Trabalho, foi vice-presidente da Associação Paulista de Medicina em Limeira e presidiu a Comissão de Ética Médica do Hospital Belinha Ometto.

 

Além da prática clínica, Marcelo Rossi é conhecido por sua atuação em projetos de conscientização em saúde e por palestras em comunidades religiosas, instituições acadêmicas e veículos de comunicação. Atualmente, ele defende a criação de um Centro de Atenção e Prevenção ao Alzheimer em Limeira, projeto que, segundo ele, poderia transformar o município em referência nacional na área, com base na Lei Municipal 5.833/17, já existente.

 

Na entrevista, ele analisa os avanços científicos, os obstáculos para democratizar o diagnóstico precoce e reforça que o medicamento, embora promissor, deve ser visto como parte de um tratamento multidisciplinar. “O carinho, o cuidado e o acolhimento continuam sendo insubstituíveis”, afirma o médico.

 

Confira:

 

Doutor, como o senhor avalia a aprovação do Donanemade pela Anvisa? Esse medicamento representa uma nova era no tratamento do Alzheimer?

Sem dúvida é um marco para a ciência depois de mais de um século desde que a doença foi descrita por Alois Alzheimer. Trata-se de uma conquista que honra décadas de pesquisa e abre caminho para uma nova era no combate às doenças neurodegenerativas. Finalmente a medicina começa a dar respostas mais concretas para uma das condições que mais afeta a memória e a dignidade das pessoas no processo de envelhecimento e consequentemente seus familiares também, impactando em toda a sociedade. A Donanemade representa um avanço porque atua diretamente em uma das causas da doença, que é a formação de placas de beta-amiloide no cérebro. Diferente das medicações tradicionais, que apenas controlam sintomas, ela tem o objetivo de retardar a progressão do Alzheimer.

 

O medicamento mostrou uma redução de 35% na progressão da doença em pacientes no estágio inicial. Na prática, o que isso significa para a qualidade de vida desses pacientes?

Significa mais tempo de lucidez, de autonomia e de conexão com a família. Em vez de um declínio rápido, o paciente pode manter sua memória e sua independência por mais tempo. Isso tem um impacto enorme tanto para ele quanto para os cuidadores.

 

O remédio age sobre as placas de proteína beta-amiloide. O que exatamente são essas placas e qual o papel delas no avanço da doença de Alzheimer?

Essas placas são acúmulos anormais de proteínas no cérebro que prejudicam a comunicação entre os neurônios. Elas estão diretamente ligadas ao início e à progressão da doença. A Donanemade ajuda a remover essas placas, reduzindo o impacto negativo sobre o funcionamento cerebral.

 

Como é feito o diagnóstico do Alzheimer em estágio inicial? Os pacientes brasileiros terão acesso fácil a esse tipo de triagem?

 

O diagnóstico exige avaliação clínica especializada. Hoje a medicina dispõe de exames como o PET scan ou a análise do líquor, que detectam a presença das proteínas beta-amiloide e tau. Hoje, infelizmente, esses exames ainda são caros e pouco acessíveis na rede pública e para nossa realidade. Precisamos lutar para que a triagem precoce seja democratizada, por isso luto por políticas públicas para criação de um Centro de Atenção e Prevenção do Alzheimer em Limeira. O caminho é longo, mas a existência da Lei Municipal 5.833/17 pode inclusive tornar Limeira uma referência nacional neste sentido. Esse é meu propósito como médico geriatra há 30 anos e como vereador. 

 

Considerando que o Alzheimer ainda não tem cura, qual é o papel desse novo medicamento dentro de um tratamento multidisciplinar?

A Donanemade é uma ferramenta a mais muito valiosa, mas que deve ser usada junto com fisioterapia, terapia ocupacional, acompanhamento psicológico e suporte familiar. O Alzheimer exige uma abordagem complexa, e a medicação é um dos pilares, não o único.

 

O senhor acredita que a aprovação do Donanemade possa acelerar pesquisas e investimentos em novos tratamentos no Brasil?

Acredito que sim. Isso pode estimular parcerias, acelerar pesquisas clínicas nacionais e fomentar a criação de estruturas diagnósticas mais modernas, acessíveis e principalmente visibilidade para doença.

 

O que o senhor recomendaria às famílias que cuidam de pessoas com Alzheimer e estão esperançosas com essa nova opção?

 

Busquem sempre informações confiáveis e orientação médica. A Donanemade pode ser uma esperança, sim, mas exige exames específicos e nem todos os pacientes serão elegíveis. Outro desafio é o custo elevadíssimo. Portanto, o carinho, o cuidado e o acolhimento continuam sendo insubstituíveis. A ciência está avançando, e juntos, médicos, famílias e sociedade, podemos proporcionar uma vida mais digna a quem enfrenta o Alzheimer.

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