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Um em cada três casamentos termina em divórcio no Brasil

Os registros de divórcio vêm crescendo a cada ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos dez anos houve um aumento de 160%. Ou seja, um em cada três casamentos termina em divórcio no Brasil.

Esse crescimento se mostrou ainda maior após o início da pandemia da Covid-19 e o Brasil registrou novo recorde em 2021. Conforme o Colégio Notarial do Brasil, os divórcios aumentaram 24% no primeiro semestre, se comparado com o mesmo período do ano passado, no início da pandemia. Ao longo de todo o ano de 2020, foram registrados 76.175 divórcios, um crescimento de 1,5% em relação a 2019, ano em que 75.033 casais oficializaram a separação.

A propagação do coronavírus, que impôs a quarentena e isolamento social, é apontado por muitos como principal responsável por esse fenômeno. “Houve realmente um grande aumento no número de divórcios em 2020 e 2021, mas ao contrário do que muitos imaginam, não podemos responsabilizar a pandemia por isso. O confinamento e o distanciamento social, a insegurança, o medo e as incertezas, vieram apenas potencializar o que já estava presente nas relações conjugais, uma vez que trouxeram uma sobrecarga considerável para os relacionamentos”, afirma Cristiane Germano Rebecchi, psicanalista clínica e grafóloga.

Em entrevista ao Fato & Versão, a profissional analisa diversos pontos que levam um casal a oficializar a separação.

Quais os principais fatores que levaram ao aumento significativo do número de divórcios durante a pandemia?

O confinamento e o distanciamento social, a insegurança, o medo e as incertezas, vieram apenas potencializar o que já estava presente nas relações conjugais antes da pandemia, uma vez que trouxeram uma sobrecarga considerável para os relacionamentos.

Amar é uma escolha, e essa escolha deve ser feita com base na consciência de que o outro é um ser humano, sujeito a erros e acertos, exatamente como eu e você. Entretanto, quando deixamos de tolerar o outro, e este passa a ser o espelho da nossa frustração, a proximidade aumenta proporcionalmente a distância entre nós, e o que era belo, perde o encanto.

Com certeza, muitos desses casais já se encontravam adoecidos emocionalmente, ainda que não tivessem percebido. A relação era suportável devido ao fato de conviverem muito pouco entre si, pois a distância regulamentar que existia entre eles os conservava em seus mundos paralelos e individuais, onde vivia-se mais tempo com terceiros e menos tempo com o parceiro.

Por que isso acabou acontecendo?

A individualidade que se possuía na vida profissional se tornou coletiva, uma vez que a empresa se mudou para a casa de cada um, e de repente o mundo de fora, que parecia ser tão grande, passou a ser demasiadamente pequeno. A proximidade social dos encontros com os amigos foi afetada, e isto também deixou de ser uma válvula de escape, uma vez que o isolamento não permitiu manter a programação habitual de lazer onde boas gargalhadas e conversas casuais anestesiavam a relação.

A divisão das atribuições domésticas e do cuidado com os filhos trouxeram novas responsabilidades, até então não compartilhadas, acarretando divergências e desentendimentos, expondo muitas vezes uma falta de empatia e de compreensão, fazendo sobressair o egoísmo que estava oculto pela ausência de intimidade.

A crise econômica também é apontada como um dos vilões dos casamentos. Isso também pode ter influenciado?

As dificuldades financeiras bateram à porta de muitos, e, sim, a falta de recursos é um dos principais motivos que contribuem para a separação, pois exige muita reflexão, diálogo, controle, companheirismo, paciência, renúncia e determinação, características que não se desenvolvem facilmente em meio à um estado emocional totalmente fragilizado, tanto pelo próprio desgaste da relação,  como pelo cenário de mortes e de outras perdas trazidas pela pandemia: perdas de pessoas queridas, de liberdade, de espaço, de socialização, de privacidade, de lazer, de sonhos, de projetos, de esperança, entre outras diversas que poderíamos citar.

Nesse período, mais mulheres resolveram dar um basta na relação por sofrer violência?

Sim. Além de todo quadro que já citamos, houve um aumento significativo na violência doméstica contra as mulheres, que chegaram ao limite de tolerância e decidiram pela separação.

O consumo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas também aumentaram, afinal, quando a realidade fica difícil, o vício acaba trazendo a falsa sensação de se alienar aos problemas, ainda que temporariamente.

Quando os casais souberam que realmente havia chegado o momento de desistir?

Ao serem obrigados a estreitar seus relacionamentos, a proximidade e a convivência diária entre os cônjuges trouxeram uma rotina que permitiu a exposição da intolerância ao que incomoda no outro, e a frustração não pôde mais ser ignorada. As capacidades emocionais de cada um se esgotaram, e o dia-a-dia tornou-se cansativo, ao passo que a distância deixou de ser aliada para que a presença se tornasse insuportável, praticamente um reflexo da infelicidade. E então muitas pessoas se depararam com o momento em que a angústia de permanecerem casadas tornou-se maior que a angústia da separação.

Qual o impacto do divórcio sob uma perspectiva emocional?

Quando um casamento termina, o sentimento de frustração é muito comum, e se há filhos envolvidos, a complexidade aumenta. Por isso, é muito importante se reservar o direito de refletir sobre o que passou e buscar equilíbrio para que o futuro possa ser bem-sucedido.

A dor causada por essas perdas pode ser comparada à dor do luto, que é um processo psicoemocional vivenciado pelo ser humano que passa por uma perda significativa. E como todo luto, se faz necessário que todas as fases sejam vivenciadas. Entretanto, em muitos casos, esse processo pode ser mais doloroso que o luto pela morte de um ente querido, pois quem se divorcia, precisa elaborar a perda de alguém que está vivo. É válido ressaltar que não se trata apenas da perda da outra pessoa, mas do que ela representava. Perde-se as expectativas criadas em relação àquele casamento e junto com elas, todo o investimento afetivo que, aparentemente, não deu certo. Independentemente de ser uma ruptura consensual ou não, os dois lados sofrem múltiplas perdas.

O que os casais podem fazer para superar o divórcio e recomeçar?

Esse período, que podemos chamar de “pós-divórcio”, pode ser mais leve se vivenciado em uma psicoterapia, pois é fundamental expressar todas as emoções vividas nesse momento, falar sobre a dor, o ódio, o medo, a decepção, o alívio, o fracasso, a culpa, e todos os demais sentimentos que se façam presentes. Inclusive, uma das principais lições que a Psicanálise nos ensina é que “As emoções não expressas jamais morrem. Elas são enterradas vivas e voltarão mais tarde, das piores formas.” (Sigmund Freud)

É preciso aceitar a nossa história e ressignificar nossas frustrações. E para que possamos fazer isso de forma consistente é inevitável chegarmos ao autoconhecimento, que é justamente proporcionado pelo processo de análise psicanalítica. É através dele que nos permitimos romper padrões de repetição que nos causam sofrimentos e frustações ao longo da vida. Conscientes de quem somos, podemos abrir caminhos mais planos para os recomeços, com maior probabilidade de fazermos melhores escolhas e evitarmos novas aflições em relacionamentos futuros.

E se o casal ainda não se divorciou, é possível reverter a situação e restaurar o casamento com a ajuda de um profissional?

Sim, com certeza. Um processo psicoterapêutico, seja ele feito individualmente ou pelo casal, quando iniciado ainda durante o casamento, pode auxiliar na resolução de conflitos e trazer novas perspectivas para os cônjuges, que muitas vezes encontram um novo caminho para seguirem juntos, através de uma relação real que deixe para trás qualquer idealização ou fantasia de perfeição. É importante entender o que se espera da relação e qual o papel de cada um no relacionamento, aprendendo que é possível ajustar a forma de pensar e de agir, sem abrir mão da própria essência.

É claro que em alguns casos, a decisão pelo divórcio pode realmente ser a solução encontrada pelo casal, ou por uma das partes, e quando já existe um acompanhamento terapêutico, cria-se um fortalecimento maior para que a superação ocorra de uma forma mais rápida e menos dolorosa.

E onde entra a fé num processo de divórcio?

Além do acompanhamento profissional, não podemos deixar de reconhecer que a espiritualidade também exerce um papel fundamental ao passo que permite ao ser humano se conectar com sua essência e alimentar o coração com fé e esperança, buscando sabedoria e serenidade através do Criador, da força do Universo, ou do que fizer sentido para cada um.

É válido ressaltar que esse papel fundamental é exercido pela espiritualidade, onde buscamos apoio em algo ou alguém Superior a nós, cuja base é o amor. É necessário cuidado para não ser vítima da religiosidade, pois esta é fundamentada na culpa e na condenação, trazendo um fardo desnecessário para ser carregado por toda a vida. “A cada divórcio, basta suas próprias dores”.

E como ficam os filhos em todo esse contexto?

É muito importante entender que os filhos são verdadeiras “esponjas” de tudo o que acontece no lar. Ainda que os pais tentem esconder as crises, os filhos percebem que há algo errado, e isso já é o suficiente para torná-los inseguros e ansiosos. Em muitos casos, inclusive, os filhos psicossomatizam, manifestando no corpo sintomas que estão totalmente relacionados ao seu estado emocional, como reflexo do que está ocorrendo em casa.

Quando a separação acontece, os filhos, principalmente os mais novos, não possuem maturidade emocional para entender os motivos que levaram os pais à separação, e a mensagem que absorvem inconscientemente é que eles são os culpados pelo fim da família, ou que de certa forma, não são bons o suficiente para que seus pais permaneçam com eles. Quando um pai ou uma mãe deixa de conviver com a criança ou com o adolescente na mesma casa, é natural que se sintam rejeitados ou abandonados, ainda que muitas vezes não expressem isso através de palavras.

Os filhos de pais separados estão sujeitos a carregar um sentimento de culpa, incapacidade, insegurança, baixa autoestima e rejeição ao longo da vida, e por isso, o ideal é que também tenham o acompanhamento de um profissional da área da saúde emocional para que os efeitos dessa ruptura possam ter menos reflexos negativos no futuro, já que todas as memórias inconscientes governam nossas vidas sem que, se quer, percebamos.

Como os pais podem amenizar esse trauma?

Quanto aos pais, é essencial que mantenham um relacionamento cordial e respeitoso após a separação, com maturidade para manterem seus papéis, não mais como cônjuges, mas como pais. Os filhos desejam ardentemente sentir que são amados e valorizados, e isso só acontece de forma plena quando o interesse pelos filhos se sobrepõe a qualquer orgulho ou ressentimento do que ficou para trás. Não nos esqueçamos que pais emocionalmente saudáveis, criam filhos saudáveis, ao passo que pais adoecidos, criam filhos doentes.

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