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Violência na escola: professor analisa retomada de aulas presenciais

“De forma geral, tenho a impressão de que muitos ‘desaprenderam’ a estar na escola. Esqueceram as regras de convivência”, diz professor

 

Hoje é Dia Internacional da Educação. A data é fruto de um compromisso coletivo firmado em 28 de abril de 2000, na cidade de Dakar, Senegal, no Fórum Mundial de Educação, entre 164 países, entre eles o Brasil, que comprometeram com a melhoria da qualidade da educação ao redor do mundo, até 2030. Diferentes objetivos e metas foram traçados para que a educação passasse a ser priorizada como uma dimensão importante do desenvolvimento humano, em aspectos culturais, sociais e econômicos.

Mas, segundo especialistas da área, o momento não é de grandes comemorações, visto que são grandes os desafios nesse setor. A violência em ambiente escolar, por exemplo, é um dos pontos preocupantes. Segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, nos dois primeiros meses de aula deste ano, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais - 48,5% a mais que no mesmo período de 2019, último ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.
Houve ainda aumento de 225% nas ocorrências de ação violenta provocadas por grupos ou gangues nas escolas. Até o último dia 24, foram 221 registros do tipo neste ano, contra 68 no mesmo período de 2019.Também houve crescimento de 52% de ocorrências de ameaça e de 77% de casos de bullying nas escolas estaduais em relação a 2019.

Para refletir sobre a importância do Dia da Educação e sobre o cenário atual das escolas, após o retorno presencial às aulas, a Gazeta volta a falar com o professor Márcio Bergamini sobre o tema. Berga, como é conhecido, é professor de língua portuguesa no Colégio Portal de Limeira, professor e coordenador da área de linguagens na E.E. Castello Branco e secretário da ALEP – Associação Limeirense de Escolas Particulares.

 

O que mudou do ano passado para este, com a retomada das aulas presenciais?

As escolas tentam reaver um status anterior à pandemia. Algumas instituições mantêm as tecnologias para casos excepcionais de alunos com Covid-19, outras encaixotaram tudo, enquanto algumas usam como ferramenta de apoio à aprendizagem. O fato é que ela veio para ficar. Escolas e professores voltaram com uma sede tremenda de recuperar conteúdos perdidos e, por vezes, se esquecem da dimensão intra e interpessoal dos alunos que ficaram confinados por dois anos. O status anterior da instituição escolar não existe mais e é uma ilusão insistir nele. Assim como não existe a mesma saúde mental de antes da pandemia. As coisas mudaram e tudo está à flor da pele. Estamos buscando o tom entre acolher os alunos, ajudá-los na ressocialização, e na retomada de conteúdos.

Em que sentido?

Muitos alunos perderam a capacidade de socialização. Em alguns, surgiram ou se agravaram dificuldades de aprendizagem. Outros desenvolveram ansiedade, depressão. Uma parte está agressiva, indisciplinada. Tantos outros estão desinteressados. E uma parte está bem.Como vamos resgatar a humanidade perdida nesse tempo? De modo geral, as escolas voltaram querendo resgatar a aprendizagem que foi prejudicada. Muitas delas de forma tradicional, com modelo centrado no professor, no conteúdo. Como lidamos com os traumas dos alunos, se estamos focados no conteúdo, nas provas? Como ensinamos a ser gente? Precisamos pensar e agir no acolhimento afetivo em todos os níveis de ensino. Devemos pensar no desenvolvimento de programas e ações de saúde mental, de convivência. Fico em dúvida se as escolas estão olhando pra isso. Agora, é uma boa oportunidade para repensar os currículos e mesmo a estrutura das instituições como um todo. Precisamos reinventar a escola. Torná-la mais viva, inspiradora! Só depois que a cabeça, o coração e o espírito estiverem em equilíbrio, conseguiremos avançar com o conteúdo de forma eficaz.

Que mudanças você tem observado no comportamento dos alunos?

Muitos se sentem aliviados em voltar para a rotina e estão tranquilos, estão se reencontrando. Alguns parecem tranquilos, mas estão ansiosos. Outros demonstram essa ansiedade à flor da pele. Depressão e tristeza também são observadas, trazendo dificuldades de conviver com o outro. De forma geral, tenho a impressão de que muitos “desaprenderam” a estar na escola. Esqueceram as regras de convivência. Muitos implicam um com o outro por coisinhas bobas. A desatenção também é grande e penso que ela seja um reflexo da exposição às telas. Tenho acompanhado o cenário das escolas do estado e do país. É assustador o aumento da violência nas escolas públicas. Só em São Paulo, tivemos um aumento de 48% dos casos de violência escolar, nos dois primeiros meses letivos, em relação a 2019, período anterior à pandemia. Todos nós acompanhamos na mídia o caso de um surto coletivo de ansiedade no nordeste, diferentes casos de agressão no Distrito Federal. Próximo a nós, meninos se cortaram no banheiro da escola, uma estudante foi atacada à facada na semana passada. No início do ano, uma diretora também foi ferida da mesma forma, aqui no estado. Tudo isso é reflexo do estresse provocado pela pandemia. É triste.

Como as escolas podem enfrentar esse cenário?

A escola precisa de ajuda especializada: psicólogos, orientadores educacionais, médicos, equipes multidisciplinares. Bons programas de saúde mental e de acolhimento são fundamentais para que a gente possa lidar com essa energia. Diante desse cenário difuso e confuso, é fundamental compreender que embora haja urgência em retomar conteúdos, em fazer a aprendizagem avançar, em buscar resultados para o vestibular, a instituição precisa olhar para humanidade que existe dentro dela. Escola é feita de gente e por gente; se a galera não está bem, a escola não vai bem. Querer recuperar os conteúdos e a aprendizagem de forma intensiva e afoita só vai provocar mais estresse e ansiedade nos alunos e professores. Precisamos respirar, encontrar o ritmo. Por que não partir das experiências que tivemos na pandemia para desenvolver os conteúdos do currículo? Usar o que aprendemos em casa para ampliar a visão de mundo, o trato das emoções, dos sentimentos? Compartilhar dores, alegrias? Encontrar formas de expressão para libertar os sentimentos, investir em comunicação não violenta, explorar a cultura do movimento, incentivar a criatividade dos alunos – e nisso a tecnologia pode ser uma boa aliada.

Muitas escolas têm investido em disciplinas que pretendem trabalhar as chamadas habilidades socioemocionais. Isso pode ajudar a enfrentar o problema?

Elas são um começo e podem, sim, ajudar a enfrentar a ansiedade, o estresse, a manifestação disso em formato de violência. Muitas delas trabalham com autoconhecimento, com o aprender a conviver, com questões de empatia, solidariedade. Mas, se isoladas, não são suficientes e podem se tornar apenas uma apostila a preencher. Um Projeto de Vida – as escolas públicas, especialmente, têm adotado essa disciplina; as escolas particulares têm diferentes nomes para isso – não pode ser resumido à escolha de uma profissão. Projetar uma vida é muito mais que isso, é perceber que somos parte da humanidade e que levamos a humanidade toda dentro de nós, biológica, social, cultural, economicamente. Essas disciplinas podem ser um espaço importante de discussão e sistematização do autoconhecimento, enquanto o trabalho com habilidades socioemocionais precisa acontecer em todas as disciplinas do currículo, de modo transdisciplinar. Ao ensinar os mecanismos da redação, por exemplo, não deixo de lado meus sentimentos e valores. Quando fragmentamos os saberes em disciplinas, isolamos e deixamos de perceber as ligações que possuem. Você não aprende sentimentos apenas estudando sobre eles; não aprende empatia lendo, mas experimentando. Para experimentar, precisamos da linguagem, do movimento, do cálculo, da escrita, da leitura. Esse é o movimento da vida e a escola deveria refletir essa dinâmica.

Embora a educação formal seja algo das escolas e instituições de ensino, sabemos que educar vai muito além disso. Nesse dia Internacional da Educação, que conselhos você daria para as pessoas?

De fato, educação é algo que está em todos os lugares, momentos e situações. Podemos aprender com todas as criaturas. O conselho que deixo é que busquemos nos educar a nós mesmos, antes de educar os outros. Prestemos atenção aos próprios sentimentos, às emoções, aos pensamentos, às ações. Encontremos a humanidade dentro de nós, por meio do exercício do amor, da compreensão, da tolerância, da solidariedade.Sobretudo, nós educamos pelo exemplo, então, devemos ser bons exemplos de humanidade.

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