Entrega do certificado ocorreu na quarta-feira e foi feita pelo próprio Toni
No ano passado, José Antonio Eduardo Chagas de Almeida, o Toni, esteve no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Limeira para ministrar uma palestra sobre dependência química. Conselheiro municipal da Saúde e também do Conselho Municipal Antidrogas (Comad), ele identificou nos detentos da unidade uma necessidade que não seria preenchida apenas com aquela visita: a possibilidade de eles conseguirem “liberdade” mesmo atrás das grades. Em parceria com a direção do CDP, comandado por Héber Anaor Janei, com a Vara de Execuções Criminais, por meio do juiz Luiz Augusto Barrichello Neto, e com o Conselho da Comunidade da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Limeira (CCVEC), representados por Jeferson Luis Francischetti e pela vereadora Mayra Costa, nasceu o “Projeto Lapidar”, que capacitou 64 presos divididos em duas turmas. A certificação aconteceu na semana passada.
A ideia era ousada, mas, se desse certo, os resultados ajudariam a evitar que os presos retornassem ao motivo que os levou para o CDP: o crime. Profissionalmente, Toni é representante comercial, mas usou técnicas de coaching - metodologia de desenvolvimento que busca aprimorar nas pessoas seu desempenho. “Identificamos que havia necessidade de informações aos detentos. Muitos não têm instrução e não conseguem identificar o problema que enfrenta de forma clara. Eles precisam de perspectiva, despertar para as coisas boas da vida, no âmbito profissional, pessoal e até espiritual”, contou.
Todo o trabalho foi desenvolvido e até o número de pessoas que participaram foi cuidadosamente combinado. “Temos 64 celas no CDP. Como a ideia é formar agentes multiplicadores de conhecimento, um detento de cada cela foi escolhido”, completou Héber.
Foram cinco encontros, quando os participantes tiveram treinamento sobre coaching emocional, e eram estimulados a refletir e a provocar análises introspectivas, com perguntas como “Afinal, o que buscamos?”, “Quais são as suas perspectivas?”, “Apesar do momento, quais são seus objetivos?”, “Você se conhece suficiente”, “Quer aprender alguns caminhos novos e desafiadores?”. “No início, os participantes estavam com o semblante fechado. Ao término, alguns até choraram. Outros até identificaram que cometeram crimes que não precisaram ter feito. Como no CDP há muitos que estão pela primeira vez numa prisão, o objetivo era despertar as coisas positivas e boas que cada um tem, para que, quando deixarem a unidade, não retornem mais. Para isso, foram usados recursos audiovisuais, vídeos motivacionais e interação direta com eles. Quantas joias temos aqui dentro e que precisam ser lapidadas. Polimos apenas uma face dela. As demais, eles buscarão quando estiverem fora da prisão. Há, por exemplo, pedreiros talentosos aqui, bem como vendedores. Dentro dessa realidade de cada um, mostramos casos de pessoas que começaram do zero e alcançaram sucesso. Um dos detentos já planeja abrir seu próprio negócio como vendedor de meias. Durante os encontros, também trabalhamos sobre o que eles podem fazer até que a liberdade não chegue. A cada dia que passa, é um dia a menos para ser contato e eles estão mais próximos da liberdade. Mas como trabalham nesses dias? Ajudamos no desenvolvimento de hábitos saudáveis, tanto para o físico como para a mente. Um dos exemplos, é a leitura”, detalhou Toni.
RESULTADOS
Cristiano Aparecido Nunes Rodrigues, Marco Antonio e Thiago Fernando participaram do treinamento. Eles descreveram que entraram com uma mente, e já têm outra. “Na prisão, temos tempo para imaginar várias coisas. Aprendemos a usar isso de forma positiva. Trabalho com pinturas externas e aprendi a ver minha profissão de outra maneira. Quando sair daqui, quero ter meu próprio negócio. Já transmiti os conhecimentos obtidos aqui para minha família, quando eles vêm me visitar. Além da questão profissional, também há a parte religiosa, que fez muita diferença. Toda quarta-feira, realizamos culto na cela onde estou. As mensagens foram transmitidas aos demais e foi tudo muito emocionante”, descreveu Marco Antonio.
Para Thiago, o treinamento foi uma terapia. “O curso é motivacional e mexeu com todas as áreas. Nos ensinou a ver o mundo de outra forma. Tenho consciência sobre o motivo que estou aqui e Deus o conhece, mas já houve uma mudança e o objetivo é transmitir a todos aqui, mesmo os mais ‘durões’”, comentou. Cristiano citou o lado humanizado do curso. “Vejo que as coisas mudaram muito. Me senti valorizado e planejo abrir meu próprio negócio”, resumiu.
COMPORTAMENTO
Para Héber, além dos resultados para a vida dos detentos, o trabalho rendeu melhorias no ambiente de trabalho dos servidores públicos do CDP. “Conflitos entre presos e agentes diminuíram e atos de indisciplina caíram. Eles identificaram que há uma preocupação em preservar e transformar a vida de cada um. Com essa visão, os detentos mostram gratidão”, disse.
Jeferson descreveu que a transformação do modo de pensar também deve ocorrer na sociedade. “Quem está do lado de fora, acredita que todos que estão aqui são ‘lixo’. O foco é, também, mudar essa visão e mostrar que há preocupação”, apontou.
A cerimônia de entrega do certificado de “Treinamento de Coaching Emocional” ocorreu na última quarta-feira, no próprio CDP. Para muitos, foi o primeiro certificado que receberam na vida. “Não queremos saber o porquê de eles terem chegado aqui. Mas importamo-nos como vão sair”, finalizou Mayra.