A Barroca Funda de outros tempos

Clóvis, Sidney, vanderlei e Jair: irmãos Cavichia testemunharam desenvolvimento da região

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Irmãos Cavichia resgatam lembranças da área rural que hoje é a movimentada avenida Dr. Lauro Corrêa da Silva

Há uma disputa entre o som dos passarinhos com o do tráfego intenso de veículos. Em meio às flores e árvores, quase não parece que, a poucos metros dali, carros, motos e caminhões se engalfinham por um naco de asfalto na velocidade da avenida Dr. Lauro Corrêa da Silva, saindo ou chegando à rotatória da Barroca Funda. Hoje isso parece mais do mesmo. Mas, há mais de meio século, qualquer sinal de alma viva ali era uma verdadeira atração para os sitiantes que viviam no entorno da então estrada rural, que tinha o primeiro quilômetro rumo a Santa Bárbara logo depois do ribeirão da Barroca Funda.

"Quando passava algum caminhão, a gente ia correndo para a estrada ver", conta Sidney Cavichia, de 83 anos. Ele e os irmãos Clóvis, de 87, Jair, de 69 e Vanderlei, de 76, são sobreviventes do tempo em que ali era o lado muito além da cidade, dividido pelo córrego que até tinha correnteza, diferente do fio d'água de hoje.

A família, que tinha ainda outros três irmãos, mantém parte das terras garantidas pelo avô Augusto, que veio da Itália. Guardam um mapa de 1927, confeccionado em linho, onde cuidadosamente foram desenhados os traços da região, com a estrada e o rio. Nada de bairros, muito menos anel viário. Para ir para a "cidade", estudar no grupo Coronel Flamínio, os garotos seguiam a pé pela ponte que existia sobre o rio, no início da década de 1940. No barro se chovesse, no pó se estivesse seco. "A cidade terminava no Prada. Aqui só começou a mudar a partir dos anos 50 e 60, quando construíram o Nova Europa, depois o Ouro Verde. Daí, nos anos 1980, Jardim do Lago e Aeroporto, quando começou a mudar bastante", contam. Antes dos anos 60, só havia a madeireira do lado de lá do ribeirão. O lado mais saturado no âmbito urbano e habitacional em Limeira atualmente ainda não era desbravado.

PRIMÓRDIOS

Em alguns anos, haverá um viaduto onde já existiu uma ponte. Ou, mais de uma. "Diziam que havia uma mais antiga, mas o rio encheu e cobriu, daí fizeram outra. No ribeirão, a gente nadava, brincava e pescava. Depois de uma cheia, chegamos a pegar um bagre, dos grandes", contam. Jair ostenta o feito, calculando que o peixe devia ter um quilo, o que era muito perto do que se encontrava ali. No cruzamento que hoje é o anel viário com a rua Paraná, havia uma represa do Prada, e dali que vinham boas chances de pesca após as cheias, para quem estava na baixada.

Se os veículos saem da rotatória para subir a avenida no embalo, a manobra seria bem mais difícil em outros tempos, quando a subida era mais íngreme, antes de ser ajustada para receber o asfalto e tráfego, não de carroças, mas dos carros.

A própria família ajudou nos custos do asfalto, além de ter parte das terras desapropriadas para a duplicação. O pai Antonio Cavichia, e outros vizinhos de sítios como José Rossetti e Pedro Grotta se mobilizaram, um doando terra, outro pedras, além de dinheiro. E a Prefeitura, o serviço, no final da década de 1970, à época do prefeito Waldemar Mattos Silveira, o Memau.

Mas tudo isso é coisa recente, já que o desenvolvimento se deu muito rápido em pouco tempo. Antes da urbanização acelerada, o local passou décadas parado no tempo. A manutenção da passagem já era feita pelos próprios sitiantes até a gestão do médico Lauro Corrêa da Silva, na década de 1930. Conhecido como o prefeito das estradas, ele ajudou a melhorar a condição daquela e de muitas outras, conforme os irmãos.

UM RIO NO CAMINHO

O ribeirão da Barroca Funda era ponto de parada de tropeiros, para abastecer os animais com água, na lembrança da infância dos irmãos. Não tinha cruzamento, mas o lado de lá e o de cá. Foi sendo aterrado com a chegada dos loteamentos, até o traçado do anel viário definir os novos caminhos, a partir dos anos 1980.

A rotatória que já teve cortada parte das árvores que darão lugar ao canteiro de obras do viaduto teve o plantio há pelo menos duas décadas, em ações que envolveram alunos como os do Senai, como rememoram os irmãos. A família doou esterco como adubo.

Com a urbanização, chegaram também as enchentes, sem a estrutura apropriada para conter toda a água que vem de cima. Sidney conta que, certa vez, discutiu com um funcionário da Prefeitura, entre as inúmeras manutenções paliativas feitas na região. "Falei para o tratorista que o que estavam fazendo ali não ia adiantar. Ele dizia que ia resolver. Eu disse que não ia. Colocavam um tubo para três vilas onde já haviam cinco", conta.

NOVOS CAPÍTULOS

Na estrada, era um acontecimento a passagem de carroças, charretes ou carros de boi, que dirá caminhão ou carro, que não era raro encalhar. Mas a urbanização estrada acima, alavancada na época de Jurandyr Paixão, como lembram, teve um fator curioso pontuado por eles: a terra era diferente, sem tanto barro como ali na baixada. E dá-lhe loteamentos. Além das fábricas de joia e aeroclube.

O percurso até lá não passou imune. "Quem não morreu, vendeu ou foi para a cidade. Cansamos de receber propostas", contam, sobre as terras que ainda restam. Dos 15 alqueires sobraram dois, espremidos entre o asfalto e o comércio. Áreas de parentes como Adélia Cavichia e Bartolomeu Grotta também viraram residenciais com os respectivos nomes dos antigos proprietários. O pai foi vendendo partes das terras quando a atividade rural começava a perder força com a urbanização. Ter muitos pomares já se tranformava num risco de prejuízo, devido aos que pulavam cerca para roubar laranjas. "Antes, podia sair sem perigo. Mas reduzimos as criações, as baias estão vazias, porque também não dá para sair a cavalo", lamenta Sidney, que coleciona troféus dos tempos de romaria, quando passava madrugadas em comitivas cavalgando rumo a cidades da região. De acordo com ele, os desfiles a cavalo e a cultura da romaria naqueles moldes se perdeu. Hoje, o tráfego é tão voraz que qualquer modal porteira afora é perigoso. Reconhecem que o "progresso" não para, e a tendência é da região crescer ainda mais. "A cidade cresce, a segurança diminui. A evolução nos jogou para escanteio. Mas temos que nos acostumar", concluem, com o som dos veículos sobre o dos pássaros.

Após a reconstituição do passado, ao deixar o local, os "tempos modernos" insistem em se impor. A reportagem passa não só pelo trânsito da hora do rush, mas pela lentidão provocada por um acidente de trânsito. Viaturas de resgate interditam parte do fluxo dos dois lados. Um acidentado no chão, e centenas de motoristas impacientes e curiosos em volta. Mais um dia dos novos tempos na avenida Dr. Lauro Corrêa da Silva.

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