Pesquisa examina trabalho infantil na produção de semijoias

Crianças com menos de 14 anos são proibidas de trabalhar (Foto: Mariana Zanetti)

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“Muitos dos meus alunos não têm mais impressão digital porque começaram a trabalhar desde cedo na produção de semijoias. E isso é descoberto no momento da emissão do documento de identidade.” O relato de uma professora da rede pública de Limeira foi suficiente para que Sandra Gemma, da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), começasse a pesquisar o processo de produção de semijoias e bijuterias em Limeira, conhecida como a “capital brasileira da joia folheada”. “Ao mesmo tempo que o setor gera ganhos econômicos e empregos para a cidade, ele é marcado por problemas sérios como o trabalho infantil, além de outras externalidades negativas como as de caráter ambiental”, conta Gemma.

Crianças com menos de 14 anos são proibidas de trabalhar, segundo a legislação brasileira. A partir dessa idade podem atuar como aprendizes, desde que a função seja desenvolvida com supervisão, sem exposição a riscos e insalubridade e não atrapalhe seu desenvolvimento físico, psíquico ou intelectual.

No caso de Limeira, há um elemento adicional: o trabalho em casa. “Com a terceirização de alguns processos produtivos, as etapas de montagem, soldagem e cravação de peças, por exemplo, foram transferidas para as residências dos trabalhadores, em condições improvisadas”, conta Gemma. “As crianças acabam sendo incluídas na produção para aumentar a renda familiar e, entre outras consequências, perdem as digitais por causa do uso de produtos químicos e do atrito dos dedos com as peças.”

Os estudos da especialista da Unicamp se estenderam por uma década, a partir de 2009, e renderam um livro lançado no ano passado. Em 2016, Gemma e as pesquisadoras Marcia Cristina da Silva Vendramini e Andreia Silva da Mata aplicaram questionários em nove escolas públicas de Limeira. Do total de 8 mil estudantes de 6 a 18 anos matriculados nessas instituições de ensino, 741 obtiveram autorização dos responsáveis para responder à enquete. O levantamento constatou que 213 dos 569 participantes com idade entre 7 e 13 anos, ou 37% deles, precisavam trabalhar para ajudar seus familiares – desses, 28% (ou 51 deles) estavam envolvidos na produção de semijoias e bijuterias. Outros faziam trabalhos de manicure, coleta de material reciclável ou atividades na construção civil. “As crianças relataram cumprir entre duas e mais de oito horas diárias de trabalho”, prossegue Gemma.

Um detalhe chamou a atenção das pesquisadoras: do total de 741 entrevistados, 235 estudantes responderam que irmãos menores de 14 anos trabalhavam dentro de casa. “Isso indica que o número de crianças que exercem atividade laboral em idade não prevista em lei pode ser bem maior em Limeira”, considera Gemma.

Há evidências de trabalho infantil no Brasil desde a época da Colônia. No início do século XX, por exemplo, crianças e adolescentes ocupavam quase 40% da mão de obra fabril em São Paulo. “O trabalho infantil é naturalizado em nossa cultura e ainda hoje existe a crença de que ele seja benéfico para crianças e adolescentes, mas essa lógica parece valer apenas para os mais pobres”, observa Palmeira Sobrinho, um dos criadores do Núcleo de Estudos sobre Trabalho Infantil (Netin) da UFRN.

“O trabalho infantil prejudica a saúde física e mental de crianças e adolescentes. Muitas vezes as consequências de atividade de trabalho precoce só vão aparecer mais tarde, na fase adulta”, avalia o psicólogo Valdinei Santos de Aguiar Junior, autor de livro sobre o tema em parceria com o pediatra Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Fiocruz.

Segundo o pesquisador, a saúde pública pode contribuir de forma significativa no combate à exploração do trabalho infantil. “O SUS [Sistema Único de Saúde] tem grande capilaridade e desse modo potencialmente consegue alcançar inclusive crianças que não estão na escola. Em alguns casos, quando as crianças se machucam no trabalho, as famílias mascaram a situação para evitar sanções. Os profissionais da saúde precisam estar atentos para acolher as crianças e suas famílias, garantindo a proteção necessária”. As informações são da Revista Pesquisa Fapesp.

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